Recém-Casados, A Missão
Por Iberê Mariano da Silva.
Ao ser declarado Aspirante a Oficial em 16 de dezembro de 1967, fui classificado no Batalhão de Manutenção da Divisão Blindada no Rio, junto com mais seis companheiros.
Fiz grandes amizades entre as quais o Comandante, Coronel Roberto Moura. Devido a situação política estar complicada em face de ações de subversivos, passávamos grande parte do tempo em prontidão operacional no quartel.
Quando fomos promovidos a 2º Tenente, em 25 de agosto de 1968, escolhi servir em Campo Grande, MT na 4ª Cia Média de Manutenção.
O Comandante era o Major Jaime Irajá Pereira.
Todo este introito teve como motivo descrever um fato, que será necessário para compreender uma ocorrência descrita mais tarde.
Entre a chegada na nova Organização Militar e meu casamento em 11 de maio de 1969, fiz diversos novos amigos.
Um destes foi um Tenente-Coronel sui generis.
Ele, no fim de semana, se deslocava em direção a Nioaque, Aquidauana e Dourados e parava em tribos de índios, ribeirinhos, pequenas aglomerações de população rural etc.
Nestes locais, ele visitava as pessoas mais doentes.
Passei a acompanhá-lo.
Até aí, tudo bem.
Mas perdoem-me os incrédulos, dos quais eu fizera parte.
Eu via e mal acreditava no que via.
Só muito mais tarde, através de projetos reservados do IPE comecei a entender a psicogênese, a energia psicotrônica, a hiperinteligência, a psicofísica e a psicognosia.
O Ten Cel examinava o doente, parecia refletir, levantava o braço direito, girava a mão meio fechada e quando abaixava, vinha um remédio em sua mão.
Ele indicava aos parentes como usá-lo e ia ver outro doente, aonde tudo se repetia.
Conversávamos muito sobre os fatos nos deslocamentos.
Ele se autodesenvolvera.
Nada tinha a ver com religião.
Se você acreditou, tudo bem, se não, é um direito seu.
Mas se você ficou curioso, estude.
Recomendo começar pelos temas poder mental, visão remota transposição, radiestesia e as máquinas rotativas de Pavlita.
Agora, voltemos à aventura do início do meu casamento com Tania.
Após consentimento do Comandante para contrair matrimônio (o que era obrigatório na época), entrei em férias no dia 6 de maio e viajei para o Rio de Janeiro para casar.
Embarquei em ônibus da Viação Mato-grossense às 23:00 h, para uma estafante viagem que duraria 23:00 h até o Rio.
Duas horas depois, fizemos uma parada no último posto de serviços no estado de Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul).
De olho no motorista, vi que o mesmo pediu um rebite (como se chamava na época a mistura de duas porções de café por uma de cachaça usado para combater o sono).
Meu assento era atrás da cabine do motorista que era separada do restante do ónibus por um tabique.
O assento do lado era destinado a um motorista auxiliar, que não embarcara.
O ônibus era moderno e adaptado para trafegar na estrada lamacenta até chegar na asfaltada do estado de São Paulo.
Possuía no teto três sinalizadores rotativos para ser mais visível e achado em caso de acidente.
Uma hora depois, ainda acordado, verifiquei que o ônibus, de vez em quando, balançava para depois se aprumar.
O balançar começou a ficar mais frequente.
Levantei, abri a porta do tabique e fui falar com o motorista.
Este meio amuado, a princípio não quis papo.
Utilizando toda psicologia que aprendera na AMAN, fui me enturmando.
Pude, então, me enfronhar da situação.
Ele chegara em Campo Grande, dirigindo a partir de Presidente Epitácio, SP, às 22:00 h.
Como não havia motorista para nosso ônibus, escalaram ele para retornar e ele estava cheio de sono.
Então, além de conversar, peguei um pequeno gravador de fita e gravávamos ele cantando e após ouvíamos.
Eu lhe disse que era motorista classe “D”.
O tempo ia passando.
Em dado momento, ele me disse que não dava mais e que parar naquela estrada seria muito perigoso.
Eu, então, lhe disse que poderia dirigir, e que ele poderia observar.
Caso ele sentisse confiança, e enquanto isso acontecesse, eu continuaria.
Após uma pequena parada, assumi a direção.
Ele aprovou.
Porém o sono venceu de vez e ele foi dormir no meu assento.
Às seis e meia ele acordou e foi para cabine.
Perguntou aonde estávamos e lhe disse que acabávamos de atravessar a ponte do Ponto XV de Novembro, cruzando a fronteira para o estado de São Paulo.
Ele, contente, me disse que estávamos no horário.
Trocamos de lugar e ele dirigiu por mais trinta minutos chegando ao ponto de troca de motorista.
Ele me pediu que não contasse a ninguém, pois ele perderia o emprego e daria uma senhora confusão para a empresa.
Raciocinei e vi que eu também estaria encrencado.
Mas, no calor do combate, foi a solução certa.
Os preparativos.
Chegando ao Rio, começamos os preparativos para o grande momento.
Meu sogro, Sr. Affonso e minha sogra, D. Ilza, ofereceram seu carro para irmos para Campo Grande, MT após o casamento.
Era um Fusca 61, vermelho.
Dada a viagem de 1.500 km e o carro já ter cerca de 8 anos, entrei em contato com o Sargento Valdeci do quartel em que servira e que era muito amigo meu.
Juntos, durante a semana e fora da hora de expediente, fizemos a manutenção no carro, trocando os cilindros, os anéis de segmento, as velas, descarbonizando os cabeçotes, limpando o carburador, trocando os rolamentos do dínamo, enfim, uma manutenção geral no motor e na suspensão.
Na sexta-feira ao irmos providenciar os doces para a festa, um caminhão bateu no carro amassando o para-lama.
Entrando em contato com a firma proprietária, ela se dispôs a consertar o carro na terça-feira, após o casamento no domingo.
E assim foi feito.
O casamento.
O casamento se deu na Igreja Nossa Senhora do Bonsucesso, no Largo da Misericórdia, Centro do Rio de Janeiro, com uma noiva estonteante e todos requintes, tais como, pétalas de rosas caindo durante colocação dos anéis e “teto de aço” produzido pelos companheiros.
Na recepção, me lembro do corte do bolo com a espada, um pombo branco sendo solto da gaiola, ombro doendo de tantos abraços, e fotógrafos enchendo o saco.
No dia seguinte, segunda feira, dia 12 de maio e aniversário da sogra, levamos o carro para a oficina e na terça-feira o pegamos e passamos a carregá-lo com presentes, roupas da noiva, utensílios de última hora, em suma, até ao lado da bateria tinha coisa.
Só tinha sobrado lugar no carro para mim e para Tania.
A viagem
Na quarta-feira, bem cedo, após demorados abraços e muitas lágrimas, partimos para a aventura. Tínhamos 1.500 km pela frente.
A reta de Resende, pegamos uma neblina, através da qual nada víamos e a solução foi seguir a uma distância prudente, atrás de um ônibus enquadrando as lâmpadas traseiras do mesmo.
Em São Paulo, após abastecer, pegamos a Rodovia Castelo Branco que acabara de ser inaugurada.
Perto do entroncamento de acesso para as cidades de Tatuí e Tietê, deu-se o primeiro grande problema.
O motor do fusca começou a esfumaçar e fazer um barulho que mais parecia uma bateria de escola de samba.
O motor batera biela.
Revendo, me lembrei que fizéramos o motor trocando tudo, cilindros pistão, anéis de segmento, ou seja, uma compressão nova.
O erro foi que não trocamos as bronzinas da árvore de manivela.
A estrada recém-inaugurada não tinha tráfego ainda.
Estávamos num local deserto, com um motor fundido.
Mas, a sorte sempre ajuda os incautos.
Não deu três minutos e apareceu uma viatura da Polícia Rodoviária Federal.
Após eu me apresentar, eles nos rebocaram até uma revendedora autorizada em Tatuí e ainda avisaram ao Sargento comandante do Tiro de Guerra de Tatuí.
Este veio se apresentar e colocar seus préstimos a disposição.
O Gerente da autorizada Volkswagen me disse que o conserto duraria três dias e custaria Cr$ 1.330,00.
Falei que não tinha este dinheiro ali.
Ele falou, então, que eu poderia fazer um cheque da praça de Campo Grande no valor do montante, mas precisava que alguém em Tatuí avalizasse.
Falei com o Sargento.
Enquanto isto, o Gerente me ofereceu uma segunda opção.
Caso eu pagasse Cr$ 1.300,00, me colocariam um motor totalmente recondicionado com todos acessórios novos.
Era uma tremenda vantagem, pois ainda teria garantia de seis meses e ele, devido ao avançar do fim do expediente estaria pronto na manhã do dia seguinte.
O Sargento conseguiu um hotel razoável para passarmos a noite e, ainda por cima, a assinatura do prefeito como avalista.
Aproveitamos e fomos a um cinema.
Ressalto que, em Campo Grande tinha feito uma poupança no valor de Cr$ 1.500,00 para eventualidades do começo de vida de casado.
Na tarde da quinta-feira, dia 15, o carro estava consertado e os documentos prontos e assinados.
Partimos, então, após agradecer a todos, inclusive ao prefeito em direção à Rodovia Raposo Tavares, mais devagar devido ao motor estar amaciando.
O segundo problema deu-se à noitinha, quando paramos para abastecer num posto no acesso da cidade de Presidente Prudente.
O carro foi desligado para comermos um sanduíche e esticarmos as pernas.
Na volta ele não ligava mais.
O motor rodava em alta velocidade sem resistência e não pegava.
Eu sabia qual era o problema e tinha as ferramentas, mas não podia mexer no motor, pois perderia a garantia.
Os tuchos se desregularam e as válvulas não chegavam a fechar.
Dormimos no posto dentro do carro.
No dia seguinte, dia 16, peguei uma carona para o centro da cidade até uma concessionária Volkswagen.
Depois de mostrar a garantia e explicar o problema, o Gerente mandou um mecânico comigo até o posto, e este ajustou e travou os tuchos. Interessante é notar como todos no interior e em cidades menores eram sempre atenciosos, prestimosos e gentis.
Partimos às 10:00 h em direção a Porto XV de Novembro às margens do Rio Paraná, aonde se encontra a divisa entre o Estado de São Paulo e o antigo Estado de Mato Grosso, posteriormente desmembrado.
Em lá chegando, por volta do meio do dia, paramos para abastecer e comer alguma coisa numa parada de caminhões.
Lá comia-se bem, barato e com fartura.
Conversando com os motoristas sobre o estado da estrada, estes nos relataram que estava muito ruim, intransitável e que dificilmente passaríamos no Volks.
Afirmando que iríamos tentar, eles nos afirmaram, que, então, nos apoiariam transmitindo e fazendo uma rede de comunicações sobre nosso estado e posição.
Se tivéssemos problemas, eles, que sairiam um pouco mais tarde, nos rebocariam.
A estrada dali em diante era de terra.
Ela estava cheia de enormes poças de água em que a estrada desaparecia.
A maneira de passar era olhar a outra margem e navegar em linha reta até lá.
E assim foi por todo caminho, e quando passávamos por um caminhão, o motorista nos saldava com sua buzina.
O carro ficava imundo, cheio de lama no para-brisa e nos faróis que foram necessários mais tarde.
Vez por outra, parava, Tania (cuja roupa novinha do enxoval no início era branca) saltava e ia limpar tudo.
Eu ficava no carro acelerando com medo de novo problema no motor.
E lá fomos no “devagar eu chego lá”.
Tania estava ansiosa, pois, como gozação eu havia descrito que a cidade não tinha luz à noite, que o fogão era a lenha, que as ruas eram de terra e cheia de buracos, que faltava água, havia animais andando na rua, etc.
A 10 km da cidade a estrada, agora, era asfaltada.
Ela ficou entusiasmada, quando, ainda longe, se via o clarão de Campo Grande.
Quem nunca esteve completamente afastado da civilização não tem ideia do que é, após horas no mais completo breu, vermos o clarão de uma cidade.
Estávamos orgulhosos e com uma imensa felicidade interior por ter, juntos, vencidos todos os óbices.
Chegamos em casa, por volta das 21:00 h, esgotados.
Mas Tania ficou animada e eufórica com sua nova casa toda certinha, com todo conforto, toda arrumadinha, encerada, comida na geladeira, armários com tudo nos lugares e cortinas feitas por mim.
No dia seguinte, dia 17, fizemos uma visita “de médico” ao meu Comandante da 4ª Cia Mé Mnt, o Major Irajá.
Depois, fomos fazer uma visita, para apresentar Tania, ao Subcomandante e meu amigão, o 1º Ten Salomão Houri, sua esposa Vera e a neném Mônica que nascera no dia de nosso casamento.
No domingo, dia 18, fizemos um “tour” pela cidade, Círculo Militar, Centro, Vila Militar, bancos, praças, pontos turísticos etc.
Tania adorou a cidade.
As praças limpas, as ruas asfaltadas e bem ajardinadas, muito bem iluminada à noite, em suma, era uma beleza muito além da melhor das expectativas.
A missão.
Na segunda-feira, fui me apresentar no meu quartel por ter retornado à guarnição.
Quando ia retornar para casa por continuar em férias e gala, fui retido pelo meu Comandante.
Surgira uma missão urgente da 9ª Região Militar.
O Cmt da 9ª RM, Gen Div Ramiro Tavares Gonçalves e seu chefe de Estado-Maior, Hugo de Sá Campelo Filho, que foram meus chefes na Divisão Blindada, sugeriram ao Cmt da 4ª Div Cav que eu fosse escalado.
Este, o Gen Bda Plínio Pitaluga, de quem eu era “peixe”, e seu Chefe de Estado Maior, Cel Roberto Moura, que fora meu Comandante no Rio no Btl Mnt da DB no Rio e me conhecia bem, concordaram de cara.
A ordem chegou suspendendo minhas férias e gala.
Na época, a guarnição de Campo Grande só possuía cinco tenentes oriundos da AMAN.
Estes eram quatro de Material Bélico e um de Intendência.
Os outros três de Material Bélico eram casados e tinham filhos.
A missão era recuperar a viatura Veraneio da Polícia Federal que sofrera pane na estrada, e seguir apoiando-a com destino a um sitio, o qual tinha sido plotado como um centro de treinamento de guerrilha.
O objetivo era desmantelá-lo e incapacitá-lo.
Enquanto a viatura, com ferramentas, suprimento, e alimentação era preparada, fui em casa avisar minha recém-esposa e despedir-me dela.
Disse-lhe que não sabia se voltaria vivo.
A viatura era uma Vtr TNE 1 ½ ton 4×4 Chevolet 1942, com uma talha na traseira.
Semelhante à foto acima.
Escalei o Cb Nei como motorista e um 2º Sgt, excelente mecânico, do qual, infelizmente, não me recordo o nome.
A Região Militar, na época, possuía caminhões administrativos MB LAP 321 4X2, além dos novos MB LP 1111 4X4 que estavam chegando.
Todos da Mercedes Benz.
Mas, quanto aos novos, não tínhamos confiança ainda para empregá-los.
O velho 1942 era o que tínhamos de mais confiável.
Como fomos muito rápidos, conseguimos partir às 09:00 h.
Seguimos pela estrada Campo Grande – Cuiabá, segundo um croqui preparado pela RM.
O destino final seria o Sítio Santo Antônio das Três Marias, que pertencia ao ex-presidente João Goulart.
A estrada, embora de terra, era boa.
Não tinha tráfego e conseguimos manter a média de 50 milhas por hora (80 km/h).
Após quinze minutos, um avião North American T-6 Texan da Base Aérea de Campo Grande nos sobrevoou.
Depois, de quinze em quinze minutos novos sobrevoos.
Aí, compreendi como o problema com a viatura da PF chegara rapidamente à RM.
Um T-6 relatara à Base, e essa à PF e à RM.
Em dado instante, um T-6 fazia uma manobra a pique sobre a estrada.
Ele indicava a viatura Veraneio da Polícia Federal.
Era por volta do meio-dia.
Fomos recebidos com satisfação e passamos a examinar a pane.
A viatura era semelhante à da figura ao lado.
O problema fora que a correia da bomba d’água e gerador (alternador) havia arrebentado.
Em consequência, a bateria se descarregou e o motor ferveu.
Ainda bem que eles pararam, caso contrário, o motor fundiria.
Após colocar água no radiador, instalar nova correia e dar uma chupeta na bateria, verificamos que tudo funcionava a contento.
Aproveitamos para almoçar e seguimos juntos adiante.
Agora éramos sobrevoados por dois T-6 de tempo em tempo.
Passamos o Rio Corrente e seguimos em direção à cidade de Rondonópolis.
Em dado momento estávamos sendo sobrevoados por quatro T-6, e um deles indicava a estrada à esquerda que dava acesso ao sítio.
Percorremos uns 10 km e do alto de um morrinho avistamos o alvo.
Anoitecia.
Quando no alto, saltamos e observamos os T-6 entrarem em voo picado e metralharem uma área, sem ninguém, próxima às construções, guarnecidas por diversos elementos suspeitos.
Decidi, em reunião, que eu desceria com o Cabo Nei, por estarmos fardados.
Com um pano branco amarrado na baioneta do mosquetão Mq .30 M954 do Cabo, eu indicava que iria parlamentar.
Dada a demonstração de fogo dos T-6s, e em consequência o apavoramento deles, negociei a completa rendição.
Assim foi feito, e após afirmar ao Chefe local que eles estavam completamente cercados por tropas., eles recolheram todas armas e as depositaram no local determinado.
Então a Polícia Federal e o Sargento desceram com as viaturas.
A PF revistou tudo e mais os arredores.
Todas as armas foram colocadas no quarto da casa em que dormiam Dona Maria Teresa e João Goulart quando iam lá.
Com o quarto trancado e com a pistola Colt .45 com bala na agulha debaixo do travesseiro, descansei na cama do casal.
Os demais se revezavam em turnos vigiando os vinte e três elementos que dormiram ajuntados.
No dia seguinte, o Sargento e o Cabo começaram a desmontar a viatura que apresentara problema quando na descida do morrinho.
O problema era na embreagem.
Havia quebrado um dos três pinos, que era o pivô dos balancins (macaquinhos).
Os três balancins, distribuídos a 120° um do outro, são os componentes da embreagem que empurram o platô, descomprimindo, assim, o disco da embreagem.
Ou seja, desacopla o motor da caixa de mudança.
O pino quebrado, fazia o papel de ponto fixo para um dos balancins.
Ele tinha aproximadamente quatro centímetros, rosca numa ponta e uma cabeça esférica na outra.
O que fazer? Soldar?
Não tinha meios para isto.
Procurar entrar em contato com um dos T-6 e solicitar buscar a peça no suprimento da companhia?
Andando, enquanto elucubrava, pensei no meu amigo Tenente-Coronel que era sui generis, ao qual me referi lá no início.
Agora, acredite se quiser!
Algo me fez parar.
Olhei para o chão e lá estava uma peça.
Me pareceu um pino recoberto de graxa antioxidante.
Pensei, o que aquilo estava fazendo ali?
Um lugar afastado de tudo!
Abaixei e peguei o pino.
Limpei a graxa.
E ainda com descrédito, levei a peça para o sargento e falei: -Tente isto.
Era o pivô que ele precisava, certinho, certinho.
O Sargento com ar espantado me olhou de diversos modos interrogativos, não disse nada e a montou no lugar.
Era mais um caso de psicogênica.
Enquanto o Sargento e o Cabo remontavam a viatura, os três caras da PF recolhiam os pacotes de munição e os depositavam ao lado do caminhão.
Um vigiava nossos vinte e três prisioneiros e dois os interrogavam.
Foram separados quinze.
Mais um dia se passou.
No dia que se seguiu, as atividades permaneceram as mesmas, e carregamos as munições no centro da carroceria do caminhão, de tal modo que, devidamente amarradas, sobrassem quatorze lugares nos bancos.
Fizemos diversas tentativas até que conseguimos ainda que apertado.
Os elementos pediram para fazer um churrasco e a PF consentiu.
Comemos bem, ainda mais que tanto a nossa comida quanto a da PF estava racionada.
Mais uma noite e pela manhã cedo, carregamos o armamento na boleia do caminhão.
Coube certinho após alguns ajustes.
Deixamos oito elementos sem potencial, segundo a PF, para trás.
O caminhão subiu o morrinho, e os quinze elementos, eu e o Cabo e dois da PF subimos a pé, devido ao peso da carga no caminhão.
Lá em cima, embarcamos, inclusive com um pouco do churrasco que os elementos solicitaram levar.
Eu e o Sargento sentamos no extremo do banco da carroceria.
O Cabo ia, só, na cabine.
A PF colocou o chefe do grupo na caçamba da Veraneio.
Aí partimos.
Os elementos perguntaram aonde estava a tropa.
Eu lhes disse que eles seguiriam logo após para evitar qualquer desatino deles.
O sobrevoo dos T-6 recomeçou, agora em grupo de dois.
A PF partiu na frente deixando-nos para trás.
E assim foi, até que três horas depois encontramos a Veraneio batida num barranco.
Paramos e verificamos que o problema se restringia ao para-lama amassado sobre a roda dianteira.
Com o guincho do caminhão livramos a roda colocando-a em condições de dirigibilidade.
Mas o chefe dos elementos, que estava na caçamba, quebrara a clavícula.
Fizemos sinais para os T-6.
Um preparou-se para aterrar.
Pensamos que fosse fazê-lo na estrada, mas o piloto preferiu pousar num aterrado ao lado.
Conseguimos colocar o ferido no assento atrás do piloto, apertando o outro tripulante.
Limpamos a “pista” e seguramos o máximo possível o avião, enquanto o piloto acelerava.
O avião decolou e seguiu para Campo Grande.
A PF partiu e não a vimos mais.
Os elementos pediram para aproveitar e comer o churrasco.
Aquiesci.
Voltamos para a estrada e seguimos adiante sempre com, pelo menos um avião, nos sobrevoando.
À noitinha, a 5 km de Campo Grande, estávamos cruzando com uma grande quantidade de tropa.
Havia soldados de vários quartéis, carros de combate M-8, PE etc.
Mandei o cabo parar para perguntar o que estava havendo.
Os caras da PE não responderam e mandaram seguir adiante.
De repente um cara gritou: -São eles!
Surgiu um bando de caras, que retiraram meus prisioneiros que até ali vieram rendidos, alegres, no blefe e em paz, e os colocaram deitados no chão de cara para baixo e os algemaram.
Transferiram as munições e armas para outras viaturas.
Me liberaram e fizeram um desfile triunfal em direção e por Campo Grande.
Retorno à Normalidade.
Fui para o quartel onde encontrei meu carro muito bem lavado e polido.
Segui para casa ao encontro de minha querida esposa e desmaiei na cama.
No dia seguinte fiz meu relatório manuscrito e o levei para meu Comandante.
Este, após mil agrados e felicitações, determinou que levasse o relatório para o chefe do EM da Região, Cel Sá Campelo.
Após me parabenizar, ele começou a ler o relatório e rir sem parar.
Me dispensou e levou o relatório para o Comandante da Região, ainda rindo.
Tania, filha única, que ficara só em uma cidade estranha, após ter conhecido apenas um casal, me disse que a FAB a mantivera informada sempre.
O que me leva a deixar aqui, mais uma vez, meus agradecimentos e reconhecimento aos brilhantes companheiros da Força Aérea Brasileira.
E enfim, momentaneamente, reencontramos a normalidade e tranquilidade.
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – AMAN – CPEAEX — Turma 1967 – Material Bélico