Minhas Lembranças e Participações na Área de Mísseis e Foguetes ( parte2 )
Por Iberê Mariano da Silva.
Em 25 de agosto de 1968, fomos promovidos a 2º Tenente.
Eu, por escolha, fui classificado na 4ª Cia Mé de Mnt em Campo Grande, MT.
Lá, após um tempo, o Comandante Maj Jaime Irajá Pereira, cedeu-me um salão ( antiga prisão em desuso ) para fazer minhas experiências com combustível líquido ( Ácido nítrico em presença de ácido sulfúrico e Terebentina ).
Um dia o Maj me chamou e pediu para ver os líquidos.
Levei em dois vidrinhos pequenos para ele.
Ele perguntou se aquilo funcionava.
Eu disse que estava quase pronto.
Ele, então, me falou para derramar o conteúdo no seu lindo cinzeiro de cristal.
Eu lhe disse que era perigoso.
Ele insistiu.
Derramei um pouquinho em cada lado do cinzeiro e me afastei.
Os dois líquidos ao se encontrarem levantaram uma chama de um metro de altura e o cinzeiro espatifou. Caímos na risada.
Torneei um tarugo metálico de 10 cm de diâmetro fazendo uma câmara de combustão esférica ( um trabalhão demorado feito em duas metades semiesféricas atarraxáveis ), seguida de um venture com os ângulos aprendidos ( 30º e 12º ) em uma das semiesferas, adaptei duas pequenas válvulas na outra semiesfera que só deixavam passar líquido numa direção e saída para duas tubulações.
No meio da tubulação tinha duas válvulas elétricas ( tipo máquina de lavar ), mas de 12 volts DC ( Redhot ). As tubulações seguiam para dois reservatórios de água que serviam para lavar o vidro do Fusca de modelo bem antigo. Os reservatórios eram pressurizáveis.
Em cada um deles foi colocado uma das substâncias.
Estava pronto o motor.
Com vergalhões foi feito o esqueleto do foguete de 1,5 metros de altura e dado forma com papel alumínio com três camadas.
À noite (eu era solteiro e dormia no quartel), apenas com um Soldado fiel me ajudando, levamos a tralha para o meio do campo de futebol e o acionamos.
Ele subiu uns 10 metros, se tanto, e se despedaçou.
Recolhemos tudo e ninguém tomou conhecimento.
Só guardei por muito tempo o motor propriamente dito.
Aí eu casei com minha querida Tania e tudo foi interrompido.
Fiz Paraquedismo Básico, Mestre Salto, Estágio Aero Terrestre e Transporte Aéreo em 1 ano; servi em Manaus 2 anos onde fiz Guerra na Selva; fiz o IME em 3 anos e fui classificado no CPrM ( Campo de Provas da Marambaia ) me apresentando no dia 16 de Dezembro de 1974.
Voltei à área, novamente, que tratava também de foguetes.
Dia 13 de Dezembro de 1974, foi lançado e rastreado pelo radar Adour francês, recém instalado, o primeiro foguete X40.
O Squib ( espécie de espoleta elétrica que inicia o propelente ) foi amadoramente ligado em 110 volts, mas o foguete voou bem.
No dia 16 de Dezembro, foi lançado o segundo X40, que desta vez, muito mais amadoristicamente, o Squib foi ligado em 220 volts.
Isto, devido ao curto circuito provocado no interior do foguete, iniciou um incêndio dentro da câmara de combustão ocasionando a explosão do mesmo.
Cheguei neste dia e o Comandante Cel Guerreiro Brito me deu como primeira missão fazer uma Caixa de Fogo ( dispositivo, que de modo controlável, dispara um Squib ).
Parti para fazer o projeto, estudei e projetei uma caixa de fogo para foguetes até com dois estágios independentes.
Dei o nome de KV2.
Era um dispositivo tipo CCB ( Controle Contra Burrice ).
Eu não sabia que não podia fazer isto, mas eu escrevi para a NASA e solicitei os componentes e equipamentos necessários.
Eles me remeteram em uma semana tudo e ainda agradeceram ( não sei o por quê ).
Construí o sistema caixa de fogo, escrevi o manual e testei com Squibs que me foram fornecidos.
Ela era ligada electronicamente ao Supervisor de Tiro, que do PCCT ( Posto Central de Comando de Tiro ), comandava “fogo” ( ordem de disparo ).
Nota: Os dois primeiros lançamentos foram disparados à comando de voz.
Mas, ainda havia um problema, ou seja, a origem dos tempos.
O computador CII francês (apelidado de “tempeta” dado seu comportamento temperamental de funcionar quando queria) era operado pelo Cap Charão, o radar de rastreamento Adour francês operado pelo inteligentíssimo Ten QOE Quevedo, o PCCT operado pelo meu colega de AMAN o Cap Alegretti 341, o apontador ótico para o radar operado pelo Ten Cel Caroli, a equipe da Rampa de Lançamento chefiado por mim e o pessoal dos três Postos Óticos, não possuíam uma origem dos tempos única.
Fui até o Diretor do CPrM, o Cel Guerreiro Brito, relatei o problema e pedi permissão para sanar o problema.
Ele, com olhar enigmático, me permitiu.
Tínhamos um super relógio Patek Phillip, que fazia parte das necessidades do “tempeta”, aonde era fixado o tempo do “Count Down” ( contagem regressiva para o lançamento ).
Ele tinha um sinal de menos numa válvula Nixie enquanto o tempo era regressivo.
Este sinal era apagado quando o tempo passava a ser positivo.
Peguei do circuito o comando deste sinal, e construí a placa KV7, que mandava para o PCCT através de um relé a autorização em série com o botão de disparo do supervisor de Tiro.
Isto sincronizou tudo.
Fiz a demonstração para o Cel e este caiu na risada.
Disse-me que os franceses ( que implantaram o Sistema de Rastreamento de Mísseis na Marambaia ) lhe informaram, que a correção do tempo zero era impossível e um projeto para isto custaria milhares de Francos.
As vezes, o trabalho na rampa era difícil quando o Radar detectava que haviam embarcações pesqueiras na zona PIP ( Ponto de Impacto Provável, ou seja, o local aonde o foguete entraria no mar ).
Tínhamos que apontar novamente o lançador colocando nova direção e nova inclinação com uso de clinômetros e bússola.
Tudo tinha que ser feito dentro do tempo da contagem regressiva.
Um dia, o Cap Alegretti, supervisor de tiro, me propôs que fizéssemos uma rampa num caminhão basculante.
Uma Ideia genial, que guardei na memória.
Com o Cap Alegretti, estive no CLFBI ( Centro de Lançamento de Foguetes em Barreira do Inferno – Natal ) para adquirir informações afim de confeccionar a Contagem Regressiva para lançamentos.
Lá observei que o Sistema era igualzinho ao nosso.
Só que o radar era o Berg quatro vezes mais potente que o Adour.
Os franceses venderam para nós o Sistema Marambaia e o Sistema Barreira do Inferno praticamente iguais.
Fizemos parte do programa Exametnet (rede experimental de meteorologia) da NASA com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e lançavamos um foguete meteorológico, o Lokidart, toda semana ( mais de 40 lançamentos ), assim como em outras diversas partes do mundo.
No Brasil era lançado na Marambaia ( CPrM ) e em Natal ( CLFBI ).
Esta rede meteorológica gerava dados para o programa dos ônibus espaciais.
Ganhei um diploma da NASA por ter ajudado o programa.
O Lokidart tinha dois estágios e 120G de aceleração.
A 60 km de altitude, ele expelia a carga útil que descia por meio de um paraquedas ( staroute ).
Ao mesmo tempo, agora de baixo para cima, lançavamos um balão meteorológico.
Desta forma, tínhamos o monitoramento completo ao longo dos 60 km.
Fui à Natal para aprender tudo.
Perdemos os dois primeiros lançamentos, pois procuramos a carga em local errado, devido em Natal, o vento na altitude de 60 km, é de 5 km/h.
Já, no Rio, é de 150 km/h.
Os dados recolhidos eram enviados para Houston e eles nos enviavam de volta, os dados de todas outras partes do mundo.
Tudo ia para o INPE.
Lançamos diversos X40, bem como o X20.
Chegamos ao ponto de cerca de meia noite no Natal de 1975, lançarmos três X40, um X20 e um Lokidart.
Neste dia, tive um pequeno acidente.
Ao lançar o segundo X40 e sair para preparar o terceiro, respirei a fumaça oriunda do segundo e esta continha ”Fosgênio”.
Caí durinho no chão.
Logo após receber oxigênio na ambulância, sempre presente, voltei inteiro para preparar o terceiro.
Fato interessante é que devido as nuvens estarem baixas, os foguetes ao atravessá-las, ainda queimando o combustível, provocavam uma auréola no céu.
Isto ocasionou relatos de vistas de disco voador em diversos locais como Campo Grande, Santa Cruz e até em Niterói.
Ainda mais, que a EsACosAAe ( Escola de Artilharia de Costa e Anti-Aérea ) nos apoiava com seus imensos holofotes.
Tínhamos “janelas para lançamento” dadas pela Marinha que colocava anúncio em “Avisos aos Navegantes” e pela Aeronáutica.
Ainda, reforçavamos a segurança com um espião, o Cap Iran, na torre do Aeroporto do Galeão.
Entre Rio e São Paulo existem duas aerovias, a Uba e a Tuba, que correm ao longo da Restinga da Marambaia com tráfego intenso.
Com todas preocupações possíveis e imagináveis, ainda, incidentes acontecem.
Certa vez, um caça da FAB, invadiu a área de exclusão justamente no momento de um lançamento.
O foguete passou tão perto que o Radar de Rastreamento desacoplou do foguete e passou a traquear o avião.
Eu imagino o susto do piloto.
Eu morei numa casa na Marambaia, ao lado da casa que alojava Generais no fim de semana.
Um dia, o Gen Ayrton, salvo engano, chamou e mandou me apresentar no IME e matricular no Curso de pós graduação em Energia Nuclear.
Ele pensava em formar um núcleo de engenheiros para projetos mais audaciosos.
Segue a terceira parte
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – MSc AMAN – CPEAEX — Turma 1967 – Material Bélico