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Lembrança 34

Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar
Por Iberê Mariano da Silva (▪)
    6ª parte
       f. Material de Engenharia
 
1.      Introdução
A Seção de Manutenção de Material de Engenharia, explana neste relatório as providências e caminhos percorridos para colocação do material de engenharia da Força de Paz em Angola – UNAVEM III em disponibilidade. Destacam-se os trabalhos de recebimento, triagem, manutenção e remessa do material à cadeia de suprimento. Descreve-se os passos para colocação em estado de disponibilidade, as limitações, as providências administrativas e os motivos dos defeitos apresentados.
 
2.      Desenvolvimento
2.1) Recebimento
O material de engenharia oriundo da Missão de Força de Paz em Angola, foi recebido no Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar acondicionado num total aproximado de 15(quinze) contêineres com equipamentos diversos. Foram recebidos pelo 14º Depósito de Suprimento, e repassado ao Parque para início da manutenção.
Observou-se que em diversos equipamentos encontravam-se quebrados, possivelmente devido ao mau acondicionamento no transporte.
Vários estavam molhados, pois diversos containers continham furos, o que ocasionou infiltração e posterior alagamento dos materiais. Dentre estes pode-se citar como exemplos de materiais encharcados: Ponte Bailey M1, motobombas, Global Position Sistem – GPS, detector de minas, detector de metais e explosores eletrônicos.
Devido à grande quantidade de material de engenharia, estes tiveram que ficar acondicionados nos próprios containers fruto da falta de espaço adequado para depositá-los.
Perdeu-se um tempo relevante devido à complexidade e diversidade do material, a grande quantidade de componentes, como é o caso dos equipamentos de sapador, demarcação de campo de minas, iluminação elétrica; e também, por existirem muitos componentes de equipamentos espalhados pelos diversos contêineres, inclusive nos de Material Motomecanizado (Motobombas).
2.2 Realização da Manutenção
Com a finalidade de facilitar o trabalho e baseada em uma análise técnica de forma que o mesmo fosse dividido em necessidades de providências, realizou-se a seleção abaixo:
a) Material para manutenção pelo técnico;
b) Material para pintura;
c)  Material para processo de descarga
 
No primeiro lote, após análise do técnico, o material foi dividido em duas classes. A primeira a que necessitava de suprimento, em que alguns casos a própria seção dispunha e em outros providenciava-se pedidos para o Setor de Aquisição. Na segunda foram colocados equipamentos que por falta de familiaridade, foi julgado necessário sua terceirização. Apenas pode-se citar os Grupos Geradores de 73, 150 e 300 KVA ( material de gestão da DOM ).
Pode-se concluir que a necessidade de reparos de muitos equipamentos, deu-se devido a situação do uso intenso do material em campanha, sendo que alguns acrescidos ao uso anterior ao envio para Angola.
No segundo lote dependendo da disponibilidade de tinta, foi de imediato providenciada a pintura e portanto, colocado os equipamentos em disponibilidade para remessa ao 14º Depósito de Suprimento.
No terceiro lote os equipamentos entraram no processo de descarga quando o alto custo, fruto do estado de deterioração, e análise dos mesmos levou à conclusão de não serem aproveitáveis ou de recuperação não compensadora. Em consequência foram confeccionados Pareceres Técnicos e Termos de Exame e Averiguação de Material, os quais foram remetidos ao Escalão Logístico da 1ª Região Militar para homologação.
Pelas conclusões das análises, pode-se dizer que muitos equipamentos entraram no processo de descarga, devido a utilização intensa em campanha, pela precária manutenção que existia em Angola.
Pode-se citar, também, algumas falhas que foram observadas pela Seção de Manutenção de Material Leve de Engenharia:   
 
Batalhão Força de Paz
Para os grupos eletrogêneos seria imprescindível contar com um canal de suprimento regular com vistas à atender a manutenção orgânica e de 3º escalão. Não havia.
A falta de pessoal especializado fez com que um grupo eletrogêneo de 20 KVA e um de 5 KVA fossem totalmente canibalizados pelo 1º contingente, que sem condições de recuperação, foram recolhidos ao Brasil para reparação.
Por falta de suprimento em Angola foram recebidos conjuntos sucção recalque e tratamento indisponíveis, pois os eixos das bombas d’água da marca DARCA estavam quebrados. Em Angola foi feita a adaptação da válvula de três vias do CSRT em motobomba Agrale M 80, para que a mesma continuasse a operar.
Pelo fato de não estarem centralizados no Pel Eng da Cia Sv, os materiais de engenharia do Btl, o controle e a manutenção dos mesmos não foram eficazes. Muitos dos geradores ficaram oxidados pela falta de coberturas apropriadas.
A Equipagem Bailey chegou totalmente oxidada pelo imperfeito acondicionamento em Angola, e por não ter uma rigorosa manutenção orgânica com óleo e graxa em suas diversas partes da equipagem.
 
Companhia de Engenharia Força de Paz
 
O trator  de esteiras FIAT ALLIS D4, além de ter uma potência fraca para os trabalhos que eram realizados em Angola, apresentou superaquecimento do motor. Havia para os mesmos dificuldade de suprimento
O controle da manutenção através das Fichas Registro de Equipamento, e em Livro Registro de Equipamento não foi utilizado.
A retro escavo carregadeira FIAT ALLIS apresentou a quebra da conexão da mangueira da sapata traseira. Por não ter estoque de mangueiras para a substituição, ela se tornou inoperante.
Os grupos eletrogêneos teriam a necessidade de contar com um canal de suprimento regular para atender a manutenção orgânica e de 3º escalão. Como não havia, os mesmos se tornavam inoperantes e eram abandonados.
2.3 Material de Consumo
Todo material desta natureza foi remetido ao 14º Depósito de Suprimento.
2.4    Total de Material Manutenido
 
NOMENCLATURA
QUANTIDADE

  1. MOTOR DE POPA 25/40/60 HP
    08
  2. TEODOLITO
        a)Teodolito
        b)Nível de luneta
    01
  3. GRUPO ELETROGÊNEO
        a)Motores em geral
        b) Alternadores
        c) Painel/Regulador de tensão
    45
  4. EQUIPAMENTO ELETRÕNICO
    a)   Explosores
    b)   Detectores de minas
    c)   Galvanômetros
    20
  5. EQUIPAMENTO DE TRATAMENTO DE ÁGUA
    a)   Conjunto Suc Rec Tratamento
    b)   Diatofiltro 7 VT
    c)   Bomba d’ água
    d)   Tanque de Armazenamento d’ água
    e)   Conj Purificação d’ água Industrial   
    648
  6. BOTES
    a)   Botes pneumáticos
    b)   Estrados
    11
  7. DIVERSOS
    a)   Equipamento de iluminação elétrica
    b)   Equipamento de demarcação de campo de minas
    c)   Compressor de Ar
    d)   Equipamento de destruição
    e)   Equipamento de sapador
    f)    Equipamento de solda
    g)   Bússola individual
    h)   Detector de metais
    i)    Bastão de sondagem
    j)     Betoneiras
    k)   Bomba elétrica
    l)     Componentes da Equipagem Ponte Bailey  
    m) Lanternas
    3083
    TOTAL DE EQUIPAMENTOS MANUTENIDOS
    3816
     
  8. Conclusão
    Conclui-se que ao recuperar e manutenir todo material de engenharia oriundo da Força de Paz em Angola, que o Parque 1 fez o que há de melhor para recuperar o máximo dos materiais.
    Foi um período de intensos trabalhos, demonstrando que os esforços empreendidos durante o preparo do material pelo PqRMnt/1, para o cumprimento da missão, teve pleno êxito e sucesso.
    A Entrega do Material Pronto e Sua Distribuição
    Embora avaliadores, ao verem o estado do material, estimassem em três anos ao menos o prazo para manutenção, o Parque se propôs a ter 90% pronto e entregue no dia 31 de agosto. Apesar do período de meio expediente para fins de economia administrativa, o Parque conseguiu atingir sua meta.
    As expectativas eram enormes. A medida que o tempo passava e todos tomavam conhecimento de que o material seria distribuído às OMs, pedidos chegavam ao Parque para fosse entregue este ou aquele material para esta ou aquela unidade. Sempre com o maior tato possível, os companheiros eram orientados para os canais competentes. Poucas unidades conseguiram do EME a entrega mais rápida, por necessidade operacional urgente. Porém na sua grande maioria, o Parque, apoiado pela 1a RM, Diretorias e EME, conseguiu com tranquilidade conduzir o processo. O apoio das Diretorias foi tal, que uma delas chegou a gerar documento com centenas de itens sugerindo a sequência de como deveriam ser manutenidos. Cada uma parecia pensar que não estava tendo a prioridade que necessitava. Logo era informada do adiantar do material de sua gestão. Sempre procurou-se informar o máximo possível a cada uma. Todos materiais de todas Diretorias foram manutenidos por militares especialistas o tempo todo.
    Na entrega do material ao 14º D Sup, houve um problema, pois aquela OM sempre quis receber o material de equipamentos pelos manuais dos mesmos, dando,  por vezes falta de componentes que sequer foram para Angola. A OM não seguia a guia, que ela mesmo conferiu quando o material chegou, o qual batia perfeitamente com o material existente e com o do Controle no Núcleo do Patrimônio Força de Paz da 1a RM. Por vezes mudava a nomenclatura de um determinado material, colocando-o em excesso e dando falta no que fora renomeado.
    Com a compreensão do Parque e Núcleo Força de Paz, após dar baixa no material que efetivamente chegara, via-se o problema futuro do 14o D Sup ao ter que redistribuir o material, com faltas e/ou com nomenclatura errada.
    Outro problema era a de como receber o Material. Primeira ou Segunda Classe? Por vezes, solicitava-se manuais de instalação e ou operação de materiais estrangeiros, que foram destruídos em Angola ao longo de 2 anos. Quando existia equipamento em certa quantidade, e o Parque havia recebido ao menos um manual, fotocópias do mesmo eram feitas e acopladas a todos outros do mesmo tipo.
    A demora de distribuição do material que estava no 14o D Sup, principalmente de viaturas de, por vezes, até seis meses; a falta de espaço para acondicionar sob teto e a falta de manutenção de material em depósito levou à alguns problemas, tais como:
    deterioração da pintura;
    não fixação da carga de algumas baterias novas;
    amassados por manobras;
    pequenos furtos de acessórios;
    retirada de lembranças;
    deterioração de toldos que se soltavam e ficavam batendo com as intempéries;
    ferrugem nas caçambas;
    todos problemas possíveis em vtrs paradas por 6 meses:
    mofo em reservatórios flexíveis de água;
    desapertos para outros equipamentos que tinham faltas etc.
     
    Para solucionar o problema:
    · passou, o Parque, a fazer revisão de entrega, principalmente de viaturas;
    · o 14o D Sup aumentou os postos de serviço para melhor vigiar o material;
    · o Parque foi ao local para fazer algumas correções no material danificado;
    · o Parque solicitou que fosse colocado no NE que daria uma garantia por 3 meses a partir da entrega do material. (A matéria possivelmente se extraviou.)
     
    A Análise das Cicatrizes do Material
    Pela análise dos danos nos diversos materiais, e colhendo informações com aqueles que lá estiveram procurou-se sintetizar as causas que levaram à situação do material que chegou de Angola. Serão a seguir as mesmas comentadas:
    a)      Navio de péssima qualidade;
    b)      Estivadores desmotivados, desleixados e não profissionais tanto lá como aqui;
    c)       Falta de amarras nos equipamentos;
    d)      Falta de suportes para içamento;
    e)      Equipamento não apropriado para translado;
    f)        Embalagem mal feita;
    g)      Excessiva pressa para deixar Angola, com um tratamento do material como terra arrasada (quase uma fuga);
    h)      Excesso de material. Vários não foram usados. Vários foram abandonados ao primeiro sinal de pane, dada a abundância;
    i)        Falta de suprimento. Suprimento não condizente com o material que lá estava;
    j)        Demora entre o pedido de ressuprimento e a chegada do mesmo;
    k)      Material ou parte do material não apropriado para o TO , tais como:
     · os caminhões Mercedes que têm vidros retorcidos e inteiriços. Os mesmos em terreno acidentado por terem torção excessiva na cabine, quebravam ou rachavam o vidro (20%);
    · os multimodais e os JPX com centro de gravidade muito alto;
    · os MBB 1214 com sua frente de plástico;
    · as barracas de lona que só aquentavam 2 meses etc;
    l)        Experiência no TO de materiais não avaliados ou consagrados pelo uso;
    m)    Falta de conhecimento técnico do pessoal;
    n)      Material não conhecido pelos militares dos 2o, 3o e 4o escalões;
    o)      Não haver “passagem de bastão” com tempo suficiente entre os escalões;
    p)      Desconhecimento do material. (Pessoal escolhido por um dos escalões, por ser músico, e que também dirigir. Eles receberam Vtr QT, e necessitavam saber dirigir fora de estrada);
    q)      Muita pane de operador;
    r)       O 1o escalão ao conhecer o material abandonou os manuais, o 2o encontrou parte dos manuais, o 3o  muito pouco e o 4o quase nenhum, pouquíssimos voltaram;
    s)       É necessário, que o órgão comprador, o de manutenção e a tropa tenham o mesmo manual de peças do material que está em campanha para se falar a mesma língua na hora de pedidos de ressuprimento;
    t)       É necessário um link de  comunicação direta entre o órgão de manutenção e a tropa para não haver distorções de mensagens;
    u)      É imprescindível que o Órgão de manutenção de 3o e 4o escalão faça contato direto de manutenção. (O Parque em uma ida de uma semana depanou todos geradores e moto bombas, e que estavam deixando a tropa em estado de desespero);
    v)      O fator Psíquico.

Um estado interessante de ser estudado, que é um misto de pânico, medo, abandono, stress, cansaço, tensão, não se importar com nada, relaxamento, apreensão, ansiedade que podem até mesmo levar a um desajuste.

Tudo muito bem definido numa só frase que constava de um muro na base de Kuito:
“À beira da morte, contando com a sorte”.
 
 
 

Exército         Nação Forte. Brasil!
 
Em um avião C130, a 10.000 pés de altitude, sobre o Oceano Atlântico, médico da Aeronáutica, assistido por Fuzileiro Naval, trata de doente do Exército.
(Foto de Iberê Mariano da Silva)
 
A lista acima, feita após muita ponderação, não deve ser jamais vista como qualquer tipo de crítica.

Muito menos deve corrigir o passado.

Ela se destina a servir de trampolim para planejamentosde novas missões.

(*) General-de-Brigada Engenheiro Militar Veterano, AMAN Mat Bel 67, Pqdt Militar, Mestre Salto, Guerra na Selva, Graduado (Eng Eletrônica) e Pós-graduado MSc (Nuclear) pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e pela École Nationale Supérieure de l’Aéronautique et l’Espace (França) , diplomado pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx).