Uma missão Inusitada, por Iberê Mariano da Silva
Corria o ano de 1980.
Eu estava na bica para ser promovido a Major e servia, na época, no Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento ( IPD ).
Acabara de ser diplomado M. Sc. em Energia Nuclear no IME.
O IPD era uma Unidade sita na Fortaleza de São João, na Urca e era herdeira do antigo Arsenal de Guerra da Urca.
Ele se espalhava, com todos seus Centros de Pesquisa, no interior da Fortaleza.
Era um local aprazível e todos companheiros ( Oficiais, Sargentos, Pesquisadores e Técnicos civis ) eram da melhor estirpe técnica intelectual do nosso Exército.
Normalmente, nós trabalhávamos em nossas pesquisas e projetos, mas, vez por outra, recebíamos tarefas subsidiárias, que consistiam em ajudar empresas em contornar óbices ou mesmo o país em questões de engenharia.
Mas vamos aos fatos. No dia 5 de março de 1980, o Coronel, Chefe da SG2 (Seção de Informações e Inteligência ) me chamou e disse-me que eu receberia uma missão.
Perguntei a ele o que seria e, na ausência de resposta, denotei que o mesmo, ainda, nada sabia.
Disse-me que alguém entraria em contato.
Estranhei, uma vez que tarefas eram dadas pelo Diretor Técnico e não pela SG2.
No dia seguinte, quando me dirigia para o rancho, um sujeito de terno e óculos escuros se aproximou e após comprovar quem eu era, passou-me instruções.
Não o conhecia, e o fiz se identificar, o que fez após certa relutância.
Ele entregou-me um calco do local aonde deveria estar no sábado dia 7 de março, com um companheiro ( um Capitão mais moderno, também, Engenheiro Militar ), levando um Contador Geiger, fazendo observações e apresentando relatório à posteriori.
De imediato procurei o referido Oficial.
Em seguida, começamos a esmiuçar a missão.
Tratava-se de ir pouco além da cidade de Silva Jardim e a 10 km da cidade Casimiro de Abreu entrar na fazenda Nossa Senhora da Conceição.
Lá, deveríamos estar atentos para um possível pouso de um Disco Voador.
Deveríamos ir descaracterizados.
Estar lá à tarde e medir a radiação do local do pouso.
A notícia deste evento vinha sendo anunciada em todos jornais de maior circulação, revistas, TV Globo, mídia em geral.
Aproveitamos para nos informar um pouco mais.
Na garage do IPD, com uma gilete, separei um sobreposto de borracha, que vinha colado nos pneus dos caminhões, escrito “Exército Brasileiro”.
O responsável pela notícia era o Sr. Edílcio Barbosa.
Era um Sr. humilde que dizia que o disco pousaria às 5:29 h, dia 8 de março na mencionada fazenda.
Ele falava com muita convicção e conseguia fazer-se acreditar ou, pelo menos, gerar dúvida. Este disco devolveria quatro pessoas: um holandês, um francês, um argentino e um brasileiro, Capitão da Marinha, que caíra no mar devido a um acidente com helicóptero.
Dizia-se que ele conseguira aumentar a credibilidade ao levar para a fazenda o delegado e algumas personalidades de Casimiro de Abreu, bem como o dono da fazenda, à meia-noite do dia 2, para assistir à passagem de uma bola de fogo no céu para um lado e depois para o outro.
O que, de fato, acontecera.
No dia 7, no meu carro, um Corcel II verde 1978, encarei a viagem de 138 km em direção ao destino.
Eu acabara de modificar o carro, fazendo uma tubulação em serpentina atravessar várias vezes o volume superior do radiador, de tal modo que aquecia a gasolina antes de entrar na cuba de nível constante do carburador.
Era uma chance de testar o dispositivo.
No carro, fixei no vidro dianteiro a borrachinha que tirara do pneu com a expressão Exército Brasileiro.
Levei o lanche preparado pela minha querida esposa, água e café, além de cobertores.
Lembro-me, sempre, do lema repetido por Napoleão, quando exaltava sua Intendência.
“O Exército marcha sobre seus estômagos.”
Não precisei recorrer ao Capitão, meu copiloto, para achar o local.
A estrada estava coalhada de gente e aumentava a multidão à medida que aproximava da estradinha que conduzia à fazenda.
A PM guarnecia tudo.
Passei por diversos postos de barragem.
Ao me aproximar, apontava para a borrachinha no vidro e imediatamente abriam a barreira.
Assim, cheguei ao ponto central e estacionei o carro entre os caminhões de transporte de tropa da PM.
Isto pode ser visto na foto panorâmica da revista Manchete, publicada a seguir do evento.
Em lá chegando, me assuntei: O Prefeito, pessoa simples e político honesto, acreditando no fato, comprara uma enciclopédia Barsa para dar de presente aos alienígenas, mandara preparar um café da manhã (embora não conhecesse o apetite dos “E T s”), preparara um desfile em carro de bombeiros até o centro da cidade e toda uma programação.
Passei a percorrer o terreno e os morros ao redor, aonde se aglomerava a população.
A mesma, segundo palpiteiros observadores, oscilava entre 8.000 e 30.000 pessoas.
Para mim e o Comandante da tropa de PM, às 4:00:h da manhã, aparentava 18.000.
Fato interessante foi o do Comandante da PM, se apresentando a mim, dizendo eu ser o mais antigo e que passara a ser o Comandante da área.
Logo depois, chegou um velho Aero-Willys preto, com dois ocupantes que vieram, também se apresentar, dizendo-se do CENIMAR ( Centro de Inteligência da Marinha ).
Apontando para um morro próximo, disseram haver tropa dos Fuzileiros Navais em cinco helicópteros, prontos para eventualidades.
Ainda, após, chegaram dois elementos se identificando como da inteligência da Aeronáutica e apontaram para outro morro dizendo haver dois helicópteros com PAs ( Polícia da Aeronáutica ).
Fiz a medição requerida de radiação no local de pouso e voltei a caminhar entre a multidão.
Havia toda sorte de gente: Imprensa de diversos países, pesquisadores em geral e em particular alguns da NASA, a alta administração de Casimiro de Abreu, ufólogos, a Defesa Civil do Estado do Rio, parentes dos que seriam devolvidos pelo disco, vendedores de comidas e outras bugigangas e acima de tudo uma imensa quantidade de curiosos.
Algumas pessoas, fantasiadas com diversas cores, diziam-se voluntários para voltar no disco.
Uma Pick-Up estacionada em cima do morro possuía diversos faróis envolvidos com papéis de cores diferente.
Diversos casais, um pouco mais afastados, embrulhados em cobertores, estavam contribuindo para o “boom” de bebês que aumentariam a população 9 meses depois.
Uma verdadeira loucura.
Era um misto do filme Contatos Imediatos do Terceiro Grau, que passara alguns meses antes, e o festival de música de Woodstock.
A população estava em estado emocional feliz, calma e conversavam em voz baixa e se confraternizavam.
Bebia-se muito, havia muito mosquito e fazia bastante frio.
A hora chegava e a multidão acordava e se agitava devido o frio.
Começava a gritar “Olha a hora”.
Chegou a hora e nada.
O Comandante da tropa de PM, veio a mim e perguntou o que fazer se a multidão tentasse avançar sobre o Sr. Barbosa.
Perguntei a ele se os fuzis estavam carregados.
Respondeu-me que sim.
Dei-lhe então a ordem, para que a retransmitisse a todos Soldados para que retirassem a munição das armas.
Deste modo, não haveria incidentes a lamentar.
A Marinha disfarçadamente retirou o Sr. Barbosa da área.
Ele disse-nos, que o disco não pousara devido a haverem alguns jornalistas, de uma certa mídia, invadido a área de pouso.
Esperamos a quase totalidade das pessoas evacuarem a área e após, em comboio, nos retiramos.
Fiz o relatório e na terça-feira, dia 10, a encaminhei a seu destino.
Foi uma missão longa, cansativa, mas muito divertida.
Foi uma missão inusitada.
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – AMAN – CPEAEX — Turma 1967 – Material Bélico