Meu Primeiro Comando de Fato!
Por Iberê Mariano da Silva
Era um belíssimo dia de sol.
Preguiçosamente, abria os olhos e me emocionava com os raios fúlgidos que atravessavam as janelas antigas, mas bem conservadas, de um dos alojamentos do Forte Copacabana.
Sim, Forte Copacabana, ele e outras Organizações Militares proporcionavam aos Cadetes da AMAN, nas férias e licenciamentos, alojamentos.
Eram mais de 11:00 h.
Perdera o café da manhã, mas dormira o sono dos justos, pois eu e mais cinco havíamos chegados bem tarde à noite.
Era, eu, Cadete do 4º ano da primeira turma de quatro anos da AMAN, e à tarde iria ter com a Tania, minha doce noiva.
O dia era 19 de julho de 1967, uma quarta-feira.
Três Cadetes já haviam levantado e saído para aproveitar a manhã.
Tudo calmo e pensando na vida, quando, de repente, irrompe no alojamento um Tenente Coronel.
Para nós, Cadetes, um quase semideus.
Era o Comandante do Forte, o Ten Cel Sylvio Octávio de Espirito Santo.
Rapidamente, nós três, remanescente, nos levantamos respeitosamente, e o ouvimos.
Ele nos perguntava se estávamos com o “Azulão”, primeiro uniforme da AMAN, com o qual saíamos em licenciamentos.
Respondemos afirmativamente.
Ele, então ordenou-nos, que nos fardássemos, que a partir daquele momento estaríamos em missão, e que uma viatura já estava à disposição para nos conduzir à sede do Clube Militar no centro da cidade.
Em lá chegando, nós três nos dirigimos ao Presidente do Clube, o qual em estado aparvalhado, nos encaminhou a um “Encarregado designado para nós”.
Solicitei ao mesmo um local para nós ficarmos, longe do corre-corre que lá ocorria.
A missão parecia a “missão à Garcia” ( Expressão cuja origem remonta à Guerra Hispano Americana.
Um Oficial americano recebeu ordem de levar uma mensagem a Garcia, um líder cubano na luta pela independência daquele país.
Contudo, o atual paradeiro deste não era conhecido.
Hoje significa uma missão quase impossível de cumprir, devido à falta de informações), pois, não sabíamos, até aquele momento, o que acontecia.
Perguntado ao “Encarregado”, este não soube responder.
Nós Cadetes, altamente críticos, o classificamos como um possível funcionário do terceiro escalão.
Às 12:15 h, procurei o “Encarregado” e perguntei sobre onde almoçaríamos.
Voltou logo em seguida e disse para almoçar, por conta do Clube, num bar restaurante existente, ao lado do portão lateral do prédio.
Eles já estavam avisados.
Lá, por noticiário na televisão, finalmente deduzimos a nossa missão.
Havia morrido em Fortaleza, fruto de um desastre aéreo, o sagaz estrategista, honestíssimo e devotado patriota, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
O avião que viajava, um Piper, colidira com um caça a jato da Base Aérea local, no dia anterior, 18 julho de 1967, uma terça-feira.
Seu corpo estava sendo transferido para o Rio, para ser velado no Clube Militar.
Por ocasião da nossa sobremesa, chegaram os outros três Cadetes que estavam no Forte Copacabana.
Subimos para nosso local e lá encontramos mais seis Cadetes que estavam em outra OM que os alojara.
E quinze minutos mais tarde, vindo de sua casa, chegava o décimo terceiro e último reforço da AMAN.
Tinha sido um trabalho hercúleo do Ten-Cel Sylvio.
Logo depois, chegou um ônibus da Escola Naval com trinta Aspirantes dos cem que foram disponibilizados, e um ônibus da Aeronáutica com vinte e cinco cadetes dos Cinquenta que foram disponibilizados.
Éramos, então, sessenta e oito.
Nos reunimos num salão, o qual nos foi destinado e o Encarregado me apresentou como o Comandante.
Fiz, então, uma palestra cientificando todos, inclusive o Encarregado, dos fatos e de nossas atribuições.
(Pelo menos o que julgava, pois ninguém me informara nada). Nomeei meu Subcomandante para os Aspirantes Navais e o Subcomandante para os Cadetes da Aeronáutica.
Solicitei ao Encarregado um telefone, café e refresco sempre renovados.
Com meus dois Subcomandantes, um Cadete do terceiro ano da AMAN e o Encarregado, partimos para um reconhecimento geral.
Descobrimos onde ficaria a urna funerária, o acesso a partir do portão principal do prédio e uma escada, a qual deveríamos subir levando a urna.
Voltamos para o salão, onde as cadeiras que estavam amontoadas num canto já haviam sido arrumadas pelos Cadetes.
Fiz nova reunião, na qual estabeleci o protocolo de como seria a Guarda Fúnebre; sua disposição; o modo de troca da Guarda; o tempo na posição (que seria de quinze minutos); que, para subir a escada, seriam necessários cinco Cadetes de cada lado da urna e outros detalhes.
Determinei que desequipassem e descansassem.
Passado algum tempo, o corpo chegou num M 59, que era um blindado transporte de tropa sobre lagartas, pesando 20 toneladas e com uma altura de 2,80 m.
O caixão estava sobre o carro.
O blindado, estacionou de ré na porta principal do Clube, e dez Cadetes foram receber o caixão para conduzi-lo ao local designado.
Muito difícil foi a retirada de cima do M 59.
A guarnição do carro auxiliou, e muito.
Os dez Cadetes começaram a levar o caixão, o qual era muito pesado, pois era revestido de chumbo.
Com o mesmo passo, de tal modo que não tropeçassem, iniciou-se o percurso.
Subir a escada foi um esforço monumental, mas Cadete sempre dá o máximo de si e suplanta qualquer óbice.
Ao entrar no salão designado, agora só seis Cadetes carregando o caixão, tiveram dificuldades com pessoas se jogando sobre o caixão.
No empurra-empurra, a filha do ex-Presidente (salvo engano), quebrou com o rosto o vidro do caixão, caindo sobre o falecido e se cortando.
Rapidamente quatro Aspirantes a protegeram e a escoltaram para fora do salão, a fim de ser medicada.
Uma observação cabe neste instante: “como é fácil comandar homens livres, inteligentes e com iniciativa”.
Os Cadetes conseguiram colocar o caixão sobre a mesa, mas o tumulto e confusão, inclusive com gritos histéricos, continuava.
Urgia tomar uma providência.
Coloquei cinquenta Cadetes, ( Atenção: sempre que me refiro a Cadetes me referencio ao conjunto de Cadetes do Exército e da Aeronáutica e de Aspirantes da Marinha), em duas colunas do lado de fora do salão, e comandei entrar marchando com passos curtos, forçando caminho até se posicionarem vinte cinco de cada lado da mesa.
A seguir, as colunas foram colocadas de frente para o exterior e comandei que, de braços dados forçassem os presentes até formar um círculo de três metros de raio em torno do caixão.
Assim permaneceram.
Chamei o Encarregado, que estava branco, e solicitei uma vasilha, um servidor de Serviços Gerais, para varrer os cacos de vidro no chão, uma régua, lápis e papel, ou uma cartolina e tesoura.
Rapidamente ele providenciou tudo, preferindo a cartolina e a tesoura.
Com estas, recortei o molde para sobrepor um novo vidro, e o dei ao Encarregado, a fim de providenciar a aquisição do mesmo.
Aí, ocorreu um problema.
Começou um burburinho, que os Cadetes deveriam liberar a área.
O tumulto inicial diminuíra, mas com agitação poderia aumentar.
Escolhi um Coronel, que parecia mais exaltado, dirigi-me até ele e me apresentei.
Ele mal reagiu e eu perguntei ao mesmo se ele queria assumir.
Ele respondeu que não.
Prestei-lhe a continência regulamentar, solicitei permissão para me retirar, dei meia volta e voltei para o centro do círculo.
Acabou qualquer sinal de tumulto, fez-se um silêncio respeitoso.
Benditas aulas de psicologia que tivera na AMAN.
Chegou o vidro.
De posse da vasilha, comecei a catar os cacos e caquinhos de vidro do caixão e de cima do rosto do ex-Presidente, com todo carinho e respeito que tinha por ele.
Sobrepus o vidro.
Voltei-me para os Cadetes e mandei se retirarem do salão, um sim, um não do círculo.
Mandei que os restantes se voltassem para o interior.
Ninguém dos presentes avançou.
Acendi as velas dos candelabros.
Com os Cadetes ainda presentes, formei a guarda fúnebre com dois Aspirantes da Marinha, dois Cadetes do Exército e dois da Aeronáutica, um trio de cada lado, todos ainda dentro do círculo.
Com os ânimos serenados, mandei que os Cadetes abrissem o norte e o sul do círculo, para que a as pessoas começassem a passar pelo corpo.
Solicitei ao Encarregado corda, grade ou fita, de tal forma que delimitasse as filas.
Tão logo, chegaram as fitas, retirei os dezenove Cadetes restantes do círculo e fomos para nosso local.
O processo de substituição da Guarda, procedeu-se normalmente.
Fato curioso foi o dos Cadetes por natureza gozadores e altamente críticos, que no alojamento repetiam, inclusive com encenação, o evento com o Coronel.
Aliás peço ao mesmo, agora, minhas desculpas por tê-lo usado como “boi de piranha”.
No alojamento, solicitei ao Encarregado trinta e três colchões, travesseiros e cobertores os quais foram conseguidos de uma OM.
Telefonei para minha noiva, a qual já sabia, pois acompanhava o fato pelos noticiários.
Me reuni com meus dois Subcomandantes e disse-lhes que bastavam manter lá dez homens, além deles.
Desse modo, poderiam fazer revezamento a partir de suas Escolas.
Nós da AMAN, jantamos, gentilmente convidados pela Escola Naval, aonde aproveitamos para um banho.
Às dez horas mudei o turno de quinze para trinta minutos, pois, como o pessoal da AMAN eram apenas treze cadetes, abriu-se um intervalo de duas horas e meia para repouso ao longo da noite.
A Escola Naval nos mandou a ceia.
No dia seguinte, 20, fomos tomar um senhor café da manhã na Escola Naval.
No meio da manhã levamos o caixão para um carro fúnebre, que estava na porta principal do prédio.
Apresentei-me ao Presidente do Clube, o qual nos agradeceu e dispensou.
Após uma pequena alocução aos Cadetes e Aspirantes os dispensei.
Agradeci ao Encarregado pela sua eficiência, sua sempre presença, paciência e amizade formada.
Nós da AMAN fomos para Escola Naval, a qual nos forneceu condução para nossos destinos.
Agradeci ao Oficial de Dia, e pedi que agradecesse ao Oficial de Dia anterior e, em nome da AMAN, ao Comandante da Escola, pelo apoio.
Em chegando ao Forte Copacabana, apresentei-me ao Ten-Cel Sylvio, pelo término da missão.
Após, nós seis fomos para o alojamento, onde virtualmente caímos na cama e desmaiamos.
De retorno à AMAN, fiz um relatório oral ao meu Comandante de Pelotão e pronto.
Foi o meu primeiro Comando de fato.
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – AMAN – CPEAEX — Turma 1967 – Material Bélico