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Lembrança 13

Escola de Samba
por Iberê Mariano da Silva.

Na 12ª Cia de Material Bélico, em formação, a grande maioria dos praças tinha sido transferido de Recife.

Eram os melhores e mais profissionais praças que chegaram em Manaus.

Assim, foi formado o efetivo da Cia que agora possuia, além deles , o Comandante Major Haroldo Azevedo da Rosa e eu.

Eu, um 1º Tenente,  era, portanto, Almoxarife, Tesoureiro, Fiscal, Comandante de todos Pelotões, S1, S2, S3, S4 além de Chefe do DRCL 12 ( Depósito Regional de Combustível e Lubrificante ) e Nú DRAM 12 ( Núcleo do Depósito Regional de Armamento e Munições ).

Notar que eu era o único Oficial do Quadro de Material Bélico no Comando Militar do Amazonas.

Os praças da companhia se reuniram e vieram com um pleito para mim.

Eles eram oriundos do Nordeste, e souberam que Manaus não tinha Carnaval.

Lá a música era “Bumba Meu Boi”.

Pediram, então, para ensaiar um samba enredo.

Concedi, mas o ensaio devia ser feito nas varandas e jardim do meu PNR ( Próprio Nacional Residencial, sito à Rua José Augusto Borborema nº 64 ) a fim de não confundir local de trabalho com local de lazer.

Eles conseguiram instrumentos emprestados com colegas nos quartéis 1° BIS e CIGS.

Começaram a ensaiar lá em casa das 18:00 até as 21:30 h.

A minha sempre presente esposa, bordou então o estandarte, daquilo que passamos a chamar de Escola de Samba Unidos na Selva.

Era um estandarte composto de duas cores que mudavam na diagonal.

Branco encimando o Verde.

Significando a civilização e progresso chegando na selva.

No meio do estandarte ficava a cara de uma onça.

E todos, portanto, unidos na selva.

O número de participantes começou a subir e tornou-se impossível o ensaio lá em casa.

Já invadia a rua, pois apareceram as namoradas e parentes, além de soldados de diversas OMs.

Com apoio do amigo, Cmt do CIGS, o Coronel Teixeira, passou-se a ensaiar no Círculo Militar de Manaus.

A mídia descobriu e passou a apoiar.

O comércio também passou a apoiar.

Veio a prefeitura em seguida.

Passou a ter na rádio um cara, que se passava por mim, que era entrevistado a toda hora, dizendo como estava a escola.

Na terça-feira de Carnaval, desfilamos na principal avenida.

O interessante foi que vários Comandantes das OMs e respectivas esposas fantasiados compunham a ala denominada “abre alas”.

Lá estava, também, meu amigo Cel Teixeira, fantasiado de Baiana.

Guardo com recordação a foto dele, como as do dia a dia do evento, bem como a gravação do Samba Enredo e da batucada.

A Escola desfilou protegida pela Cia de PE, e ganhamos o Primeiro Prêmio.

É claro, pois as duas outras que desfilaram batiam o “Bumba Meu Boi”.

Os sites atuais, inclusive a “Wikileaks”, narram de modo completamente equivocado.

Após este evento, o grupo Unidos na Selva formado, participou da organização e competição de uma Olimpíada, de Festival da Canção ( concorreu com a música “A Rosa” e o juiz foi o cantor Erasmo Carlos ), Recepção de Navios de Turismo e inúmeros outros eventos. 

Nada pago.

Recebia alguma coisa como escampo, tais como, fantasias, instrumentos musicais, etc.

Agora vejamos, o porquê se dar tanta importância à esta festa a ponto de incentivá-la.

Chamaremos o evento, sob a ótica militar de Manobra  Carnavalesca
MANOBRA CARNAVALESCA. 

Seriamente analisado, o Carnaval se parece em muito com um tremendo exercício militar.

Com todas as semelhanças, é uma manobra militar que o Brasil faz, uma vez por ano, sem nenhum custo para o minguado orçamento de defesa.

No passado, observadores militares estrangeiros chegaram a vir ao nosso país, com a missão de analisar o evento, a fim de extrair dele lições para o planejamento militar.

O Carnaval brasileiro é um exercício que se faz, ao mesmo tempo, em todo território nacional.

Os desfiles de Escolas de Samba, realizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras cidades do país, constituem um paradigma de capacidade de auto-mobilização e organização.

Analisemos este evento pelo prisma militar.

Para selecionar os participantes, existe um recrutamento eficaz, com uma pré-seleção rigorosa.

As Escolas de Samba possuem regulamento disciplinar próprio, a que todos os participantes se submetem.

O adestramento se faz de acordo com as normas previstas neste regulamento e em programas padrão.

Cada Escola pode ser comparada a uma Brigada da Força Terrestre.

Seus Batalhões são conjuntos de Alas.

Cada Ala compara-se a uma Companhia.

Existe uma perfeita hierarquia.

Todos os componentes organizacionais têm Comandantes, nomeados pelo Comandante da Escola.

A Escola também tem seu próprio Estado Maior, que assessora o Comandante, analisa as táticas e estratégias e planeja a Operação do Desfile.

As quatro seções tradicionais de um estado-maior ( pessoal, inteligência, operações e logística ) estão presentes.

A 1ª Seção ( pessoal ) cuida do pessoal: recruta; distribui os integrantes pelas alas; preenche lacunas; limita; julga competência para cada fim; promove; transfere para a inatividade; concede direitos; cobra deveres; cobra presença; julga faltas disciplinares e ausências ao serviço; pune; faz elogios etc.

A 2ª Seção ( inteligência ) é responsável pela inteligência ( informações ): procura descobrir os segredos dos oponentes; estabelece contra-ofensivas; prepara surpresas que possam lhe dar supremacia no campo de batalha; e protege suas informações sigilosas, utilizando contra-informação e contra-contra-informação.

A 3ª Seção ( operações ) estabelece: a evolução de cada ala; o emprego de cada Companhia especial ( ou seja, alas especializadas ); e a necessidade de máquinas de guerra ( ou seja, alegorias ).

Determina a missão através do tema do enredo.

É responsável pelo deslocamento e a concentração dos meios, pelo adestramento e pela colocação em plena forma física para o evento.

A 4ª seção ( logística ) encarrega-se de: abastecimento de combustível e materiais de construção e de confecção; manutenção das viaturas e do equipamento; orçamentos; fiscalização; saúde; alimentação etc.

Cada Brigada, ( escola ), tem sua canção ( samba-enredo ), sua fanfarra ( bateria ) e também sua bandeira ( estandarte ), que é amada e protegida, contando com guarda própria ( mestre-sala ).

A comissão de frente faz às vezes dos esclarecedores ( integrantes de unidades de reconhecimento ) com todo um adestramento próprio, que inclui táticas, evoluções, manobras etc.

Os combatentes como um todo constituem as “Armas” de Infantaria, Cavalaria, Artilharia etc.

A Engenharia estabelece o trajeto do pessoal e do material até o local de concentração, removendo os obstáculos físicos porventura existentes.

As Comunicações, que são a “Arma do Comando”, mantêm o contato permanente entre o Comando e os componentes da Brigada ( escola ).

O Material Bélico ( pessoal do barracão ) se encarrega da montagem e manutenção das máquinas de guerra ( alegorias ), e contribui com pesquisas sobre inovações tecnológicas.

A Intendência confecciona fantasias, cuida da alimentação do pessoal e cuida das finanças.

O Serviço de Saúde também atua, sempre que necessário, e providencia o socorro nos possíveis casos de acidentes, ferimentos ou doenças.

Coordenando tudo isto está sempre o Estado Maior, que controla a mobilização, a desmobilização, os tempos, a sincronia, o ritmo.

Em suma, coordena toda a Brigada (escola).

Tudo é muito parecido com uma manobra geral, na qual treina-se tudo, nos mais longínquos recantos do Brasil, numa mesma época e concomitantemente para uma operação.

Poderíamos ainda comparar os organizadores do concurso de escolas de samba a uma organização internacional semelhante à ONU, que dita regras e resoluções, faz moções e promove a convivência pacífica.

Já a comissão julgadora seria o conselho permanente desta organização.

As Forças Armadas Brasileiras, embora sem meios, desatualizadas e com orçamento insuficiente para a real envergadura estratégica de um país continental, têm certeza que, no caso de um conflito, nosso povo saberá responder à altura na defesa de sua pátria, pois este povo dá inúmeras provas de ser altamente mobilizável, além de combativo e inventivo em torno de um ideal.

Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – AMAN – CPEAEX —  Turma 1967 – Material Bélico