Vai Lá para Baixo ?
Por Iberê Mariano da Silva
Lá em Manaus, em 1970, quando se perguntava :_” Vai lá para baixo ou Vai descer”, as pessoas queriam perguntar se você ia para o sul do Brasil.
Minha esposa, Tania, em 12 de junho perdeu o bebê que esperava e foi evacuada pela FAB para casa dos pais no Rio de Janeiro.
Fiquei sozinho em Manaus e para extravasar dos dois eventos passei a procurar atividades que distraíssem a minha mente.
Uma das coisas que fiz, foi entrar numa excursão, a qual fui convidado por dois indianistas famosos, até à nascente do Rio Orinoco afim de fazer o primeiro contato com duas tribos de índios.
Meu Comandante, Major Haroldo, me recomendou que fosse e me deu uma dispensa como recompensa para ir.
Esta aventura narrarei mais tarde.
Em 18 de agosto, dois meses depois que Tania tinha dado alta do HGeM (Hospital Geral de Manaus), recebi um telegrama em que ela dizia que estava física e psicologicamente bem e em pleno gozo de saúde.
Pedia que eu fosse buscá-la no aeroporto, pois estaria de volta para Manaus que ela tanto amava.
Nota: Nesta época, o ECT (Empresa Brasileira de Correio e Telégrafo) era eficientíssimo e se orgulhava de ser um dos melhores do mundo.
A outra vez que um de nós “desceu” foi quando recebi uma missão do meu comandante para resolver problemas financeiros no QG do Ministério do Exército no Rio.
Em decorrência, o Comandante Militar da Amazônia, Gen Div Álvaro Cardoso, mandou me chamar.
Disse-me que eu iria “descer” à serviço.
Me entregou 20 ofícios timbrados e em branco com sua assinatura embaixo.
Disse-me para os usar com sabedoria e defender os interesses do CMA.
Eu era o único Oficial de Material Bélico no CMA.
O Gen Div Álvaro Cardoso confiava perfeitamente em mim, pois toda vez que ele tinha um problema de ordem técnica, ele me chamava para aconselhá-lo.
Agora, com uma responsabilidade aumentada, recebi as passagens.
Um probleminha surgiu, vários companheiro vieram pedir pequenos favores.
Já que você “vai lá para baixo”, leva isto para minha mãe em Madureira; ou vai lá em Copacabana e pega o casaco que minha tia comprou para mim; ou dá um pulinho no Meyer e compra para mim tal coisa; ou dá uma passagem na casa da minha amiga e leva meu abraço para ela e; chegou ao ponto da esposa de um companheiro pedir para comprar roupa de frio para seu filho em Petrópolis etc.
Realmente, quando estamos longe de uma região, todos pontos nela parecem estar pertinho um do outro.
Chegando ao Rio, me alojei na casa de meus sogros.
No dia seguinte, me fardei com o uniforme que usávamos no CMA.
Jaqueta com os meus brevês de paraquedista e guerra na selva (na Amazônia a túnica era apelidada de “baby doll” e não era usada), coturno de selva com a lona verde e boina verde (que era muito maior que a atual e parecia uma pizza) com o escudo metálico do CMA.
Nota: na época só três organizações usavam boina: o CMA (verde), a Divisão Paraquedista (bordô) e os colégios militares (vermelha).
Ao entrar no PDC (Palácio Duque de Caxias), Ministério do Exército, notei que eu causava extrema curiosidade.
Dirigi-me à DMM (Diretoria de Moto Mecanização) e fui logo colocado na presença do General diretor que me inquiriu o que precisava.
Expliquei-lhe que estava devendo na praça cerca de Cr$ 60.000,00 , e não tinha recebido nenhum repasse.
O Gen perguntou-me se eu era o Tesoureiro o que lhe disse que sim.
Enquanto isto, um Ten Cel, pelas minhas costas, acenava para o Gen que eu estava errado e que tinha enviado.
Aí começou a treta.
Gen:_ Eu mandei !
Eu:_ Não recebi !
Gen:_ Mas eu mandei !
Eu:_ Mas eu não recebi !
Mais uma vez o diálogo e dando um soco na mesa, se levantou.
Eu me levantei também e repeti:_ Não recebi !
Ele, aborrecido, disse:_ Então vamos ver !
Eu:_ Sim Senhor, meu General !
Benditas aulas de psicologia na AMAN.
O Gen chamou o Ten Cel acenador que trouxe uma papelada.
Mostrou que tinha remetido uma quantia para o CIGS.
Eu disse para o Gen que o CIGS era apenas uma OM das que eu apoiava, além de todas outras da Região inclusas todas das fronteiras.
Ele ficou furioso com o acenador e determinou que o Ten Cel entrasse imediatamente na Rede Cruzeiro do Sul (único meio, na época, de comunicação do Exército com o CMA) e mandasse o CIGS transferir a verba.
Eu disse, então, para o Gen que não ia dar certo, pois o CIGS era agora COSAC e podia garantir-lhe que dadas as novas funções já devia ter empenhado tudo.
O Gen concordou.
Ele, que agora já me adotara, me deu três vezes a verba que pedira.
A seguir, me perguntou quem era o chefe do DRCL (Depósito Regional de Combustível e Lubrificantes).
Eu disse que era eu também e lhe expliquei como funcionava o CMA, dada pouca gente.
Perguntou-me aonde conseguia o combustível.
Disse-lhe que era da REMAN (Refinaria Manaus).
Ele me destinou mais uma quantidade de dinheiro além de óleos e graxas.
Retirando um dos ofícios em branco assinado pelo CmtMA, perguntei-lhe se era necessário.
Ele arregalando o olho disse que não.
Pedi licença para me retirar, ele me abraçou e me levou até a porta.
É claro que fato logo se espalhou no PDC.
A seguir me dirigi para a DAM (Diretoria de Armamento e Munições).
O General Diretor me viu na sala ao lado e mandou-me logo entrar.
Perguntou-me o que queria.
Disse-lhe que queria quatro canhões e munição para os mesmos.
Ele riu, chamou seu Chefe de Gabinete e falou para ele : _Olha o que o Tenente quer.
Ainda rindo, perguntou-me para que queria quatro canhões.
Eu lhe respondi.
O Cel Berg, que comanda o Comando de Fronteira Solimões, na fronteira com Peru e Colômbia é que está precisando.
Lá, em Letícia, cidade Colombiana, tem um vaso de guerra com seus canhões, sem querer, apontados para o Quartel.
O Cel Berg quer colocar os quatro canhões, sem querer, apontados para o vaso de guerra.
Já sério, o Gen virou-se para seu Chefe de Gabinete e determinou: _ Vire-se e dê agora quatro canhões para o Tenente.
A seguir, retirando o famoso ofício em branco, perguntei se era necessário.
Com os mesmos olhos arregalados, ele me disse que não.
Abraçou-me e levou-me até a porta quando eu lhe pedi para me retirar.
Estive em diversos outros setores e consegui muito material para o CMA.
Ao chegar de volta a Manaus, depois de entregar os ofícios em branco, relatei tudo para o Gen Div Álvaro Cardoso, que com um riso no rosto falou:_ Eu já sabia que ia ser assim.
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – AMAN – CPEAEX — Turma 1967 – Material Bélico