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Lembrança 16

“Olho Local!”
 
Por Iberê Mariano da Silva
 
Um dia, após a visita de um Tenente que servia na fronteira e sua esposa, o meu Comandante Major Haroldo Azevedo da Rosa, virou para mim e falou: “olho local”.

Após a refeição que proporcionamos aos dois e eles se despedirem, fui conversar com o Cmt.

Perguntei o que ele queria dizer com “olho local”.

Ele como bom contador de história, começou a me narrar.

Ele disse que, tão logo o Aspirante concluía a AMAN, era designado para servir em uma Unidade de fronteira ou em uma cidade pequena.

Ele chegava todo entusiasmado, pois deixara de ser paparicado como Cadete e agora tinha uma pistola, Comandava homens e tinha toda responsabilidade do mundo.

No segundo dia, após o expediente, ele saía do quartel e ia dar uma volta no povoado ou cidadezinha.

Olhava e ficava horrorizado com o atraso, com as ruas ( quando mais de uma ) e as construções.

Voltava correndo para o Quartel.

No terceiro e quarto dia não saía.

No quinto, não aguentando mais, saía novamente.

Desta vez, demorava mais um pouco e voltava.

No fim de semana, investido de coragem, resolvia fazer uma incursão mais prolongada.

Voltava, mas tinha visto uma ou outra casa mais bonitinha,

A pracinha era pequena, mas estava cuidada e limpa.

A igrejinha até que tinha um jeitinho.

Não era igual às que conhecera em seu local de origem, mas era aceitável.

Porém as garotas, não mereciam uma segunda olhada.

Era convidado a uma festinha. Ia, mas não tirava ninguém para dançar.

Só bebia o ponche e ficava relembrando os bailes que frequentara.

Passava a ser convidado com mais frequência a festinhas e começava a se entrosar.

A cidadezinha, já era, para ele, mais acolhedora.

As garotas não eram tão feias assim.

Nas festinhas, passava a achar uma menina mais mimosa e engraçadinha, embora com um ou outro defeitinho.

Passavam, então, a se ver com mais frequência e finalmente ia conhecer os pais dela.

Já, lá ia um tempo, era promovido e devido, agora, à noiva, procurava ficar no mesmo Quartel.

Se casava e vinha o primeiro pequeno pequerrucho.

Estava feliz.

Era um pai de família, casado com a mulher mais linda da cidadezinha que adorava.

Conhecia todo mundo e era prestigiado.

Tinha, agora, a visão do “olho local”.

Ou seja, se acostumara com o que via.

Chegando o momento de fazer a EsAO ( Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais ), ele se mudava com malas e bagagens levando sua trupe, para o Rio de Janeiro, aonde se encontrava com seus colegas de turma da AMAN.

Começava, aí, no interior de sua cabeça a fazer comparações de sua esposa com as outras mulheres.

Ela, passava a não ser tão bonita, tratada, trajada, maquiada, etc. como as demais.

Pouco a pouco passava a ter vergonha ou escondê-la sempre que possível.

Nota: Nesta época não havia rede nacional de TV ou rádio, celular, computador, internet e TV, nas cidadezinhas.

Uma revista tipo Manchete ou Cruzeiro, quando chegava, chegava com um mês ou mais de atraso e, era disputadíssima.

Tinha ele sido mais uma vítima do “olho local”.

Para compensar, o General Comandante da EsAO, sua esposa, e outras senhoras, adotavam estas moças interioranas e ensinavam às mesmas a se maquiar, ir a um salão de beleza, orientavam como se trajar, enfim, davam nelas um “banho de loja”.

Esta ação social humanitária e voluntária evitou muitos desquites e separações de casais.

Hoje, com uma integração maior do Brasil como um todo e internet, as moçoilas do interior, acompanham plenamente o comportamento, a maneira de se portar e de se vestir das grandes cidades.

Além, é claro, surgirem nas cidadezinhas os salões de beleza, lojas com trajes da moda, academias de ginástica e professores de etiqueta social.
 
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – AMAN – CPEAEX —  Turma 1967 – Material Bélico