Minhas Lembranças e Participações na Área de Mísseis e Foguetes (parte 1).
Por Iberê Mariano da Silva
Para falar de mísseis e foguetes, precisamos por um dever de justiça, começar falando de nossos antepassados e pioneiros.
O primeiro uso de foguetes deu-se na guerra contra o Paraguai.
Eram na verdade flexetes constituídos de um tubo metálico com pólvora como propulsor e um explosivo na cabeça.
Uma vara era amarrada no tubo.
Eram uns verdadeiros busca-pés.
Devido ao grande uso de mísseis e foguetes na 2ª Guerra Mundial, o Exército Brasileiro começou a se interessar pelo assunto.
Em particular, no antigo ETE (Escola Técnica do Exército), hoje chamado de IME (Instituto Militar de Engenharia).
Em 1949, no ETE, o Curso Industrial e de Armamentos criou a disciplina Auto Propulsão a Jato.
Um acordo/convênio firmado com a França, nos trouxe o Dr. Antoine Edmund Brun, que era especialista em foguetes.
Na referida disciplina destacou-se o Cap Manoel dos Santos Lage, que poderia ser alcunhado como o Von Braun brasileiro.
Este, ficou no programa formado até sair General.
Como trabalho de fim de curso em 1950, a equipe entusiasmada liderada pelo Cap Lage ( promovido a Major ), assessorada pelo Professor Antoine foram entregues todos os cálculos para um foguete propulsionado a pólvora de 114,3 mm de diâmetro com alcance de 22 km.
Um trabalho que perdurou no tempo até, pelo menos, 1972.
O Professor Antoine, também, assessorou o Major Ayrton Ribeiro da Silveira que liderava o grupo para foguetes de combustível líquido ( Propergol à base de Peróxido de Hidrogênio ) em 1951.
Os trabalhos do Cap Lage forçaram a fábrica de Piquete a investir em pólvoras de base dupla e ele construiu nosso primeiro ponto fixo ( medidor de empuxo ).
Nós estávamos entre os primeiros do mundo na pesquisa espacial junto com a URSS e os Estados Unidos, mas estes tinham levados os cientistas alemães e diversas V2.
O já Ten Cel Lage e equipe pensavam num foguete de 300 km e para tal resolveram lançar antes um foguete para o espaço tripulado.
Este era um Sonda I, apelidado de Felix I pela imprensa, devido ao gato que voaria numa cápsula a qual retornaria por meio de um paraquedas. Diâmetro 360 mm, peso 319 kg, ogiva 30 kg, peso do propelente ( pólvora dupla 1000 kcal/kg ) 180 kg, altitude máxima 120 km.
Porém, não foi lançado devida propaganda exaustiva na imprensa, o que causou reação da Sociedade Protetora dos Animais.
Sempre tudo era repassado para indústria, destacando-se a AVIBRAS do meu amigo Eng João Verdi, que já produzira dois aviões diferentes.
No desfile de 7 de setembro de 1956, o IME/IPD desfilaram com 8 picapes ¾ ton Willys ( apelidadas de foguetinhos ), que em sua carroceria levava um lançador múltiplo de 24 foguetes 108 R ( rotativos ).
Também desfilaram 4 reparos de antigos canhões 37 antiaéreo rebocados com 4 lançadores de foguetes duplo estágio 114 mm cada um.
O narrador do desfile foi pego de surpresa.
O Presidente perguntou ao Ministro do Exército, o que era aquilo.
O Ministro não soube responder.
Resultado: Houve uma sindicância sumária e quase houve punição.
O propelente que dependia de um aglomerante importado, foi embargado pelo D.O.D americano.
Visitei, quando Cadete, o laboratório do então Maj Miguez, aonde ele desenvolveu o propelente Composite ( Aproximadamente 70 % alumínio, 20 % perclorato de amônia, 10 % aglomerante ).
O laboratório era realmente rudimentar.
Por exemplo: As tubulações eram feitas de latinhas de extrato de tomate emendadas, os recipientes eram de latas de sorvete da Kibon, etc.
Entre a cantina do IME e a Pedra que se encontra atrás do IME, o Maj Miguez tinha um pequeno bunquer aonde fazia suas experiências.
Um dia, numa falha deu-se uma explosão, que quebrou todos vidros na fachada detrás do IME.
Em consequência, foi criado o CCME (Comissão Central de Mísseis do Exército ) e o ponto fixo no forte São João.
Na época, só 15 países detinham o conhecimento para produzir o Composite.
Este foi usado no X40, projetado no IME e foguetes Sondas II da AVIBRAS.
Um outro fato que destaco foi de um curso sobre foguetes que o Cap Serra foi fazer na Argentina nos meados da década de 60.
Ele pagou cerca de cinco mil dólares a um argentino (###) em troca de umas anotações, cálculos e rascunhos do projeto de um foguete.
Estes cálculos foram revisados, complementados e aprimorados pelo Ten MB Cardoso, que servia comigo no Btl Mnt da DB.
Ele era um excepcional matemático e calculista de primeira.
A minha turma de Material Bélico com 15 Cadetes e a seguinte com 12 resolveu ressuscitar a SAMBA ( Sociedade Acadêmica Mat Beliana ?Aeroespacial? ).
Começamos fazendo foguete de papel que eram enrolados em um lápis.
Para maior rigidez passamos a enrolá-los com linha e banhá-los com goma arábica.
Mediamos o alcance no chão da ala.
Passamos a fazer mini tubeiras torneadas e achando os melhores ângulos de entrada e saída do venture.
( 120º e 30º respectivamente ).
Os foguetinhos já alcançavam o fundo da Ala.
Passamos a lançar da janela.
Uma vez um bateu na janela da 5ª Cia, que estava em formatura.
O Cap de lá, ligou para o Oficial de Dia que foi rapidamente até nossa ala.
Lá este viu todos Cadetes e dois Tenentes trepados nas janelas vendo a performance.
O Oficial de Dia viu os Tenentes e perguntou: _ Os Senhores estavam aí?
Recebido a resposta sim pelos Tenentes que continuavam nas janelas, ele virou as costas e foi embora.
Chegara o momento de passarmos para foguetes metálicos.
O primeiro que fizemos, usando como propelente seis suplementos de morteiro 60, explodiu.
Estilhaços passaram por mim e pelo Napoli 118 zunindo.
Um acertou o Nery 721 que estava a 20 metros, mas apesar do susto não foi nada.
Resultado disto é que eu e o Napoli fomos chamados para nos apresentar ao Gabinete do General Comandante, o qual nos proibiu de fazer experiências na área acadêmica.
No dia seguinte, sábado, eu e o Olímpio 541 fomos para o que seria a cidade satélite de Volta Redonda com todos os apetrechos.
Lançamos o primeiro com um suplemento.
Ele saiu da rampa de lançamento e caiu a um metro. Colocamos dois.
Ele saiu e foi embora passando por cima do morro.
É claro, com os seis que colocamos no Parque de Material Bélico tinha que explodir.
( Detalhe: Foram estilhaços a cem metros e a explosão destruiu as cerâmicas que ficavam sob as janelas do banheiro do Parque ).
Em decorrência do evento, passamos a receber de modo escondido de diversos Oficiais que nos incentivavam, os mais diversos tipos de pólvora.
Passamos a ter viaturas para fazermos lançamentos nos Campos de Manbeca.
Os foguetes, que eram numerados como Samba 5, 6,7, 8, 9 alcançavam 1,5 km.
A ogiva era de madeira oca e levava fósforo branco, que no impacto quebrava a madeira e o fósforo branco sinalizava o local.
Não paramos por aí, fizemos um foguete bem maior, para 5 km de alcance.
Ele tinha três busters laterais com suplementos e o central bem mais grosso com uma pólvora de base dupla.
O central tinha um rastilho de 15 segundos, e os três laterais eram acionados por espoletas elétricas.
Acendemos o rastilho, nos abrigamos, bem como a inúmera assistência e 12 segundos depois acionamos as espoletas elétricas.
Tenho fotos.
Aí, fomos declarados Aspirantes.
Era 1967.
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – MSc AMAN – CPEAEX — Turma 1967 – Material Bélico