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Lembrança 22

Minhas Lembranças e Participações na Área de Mísseis e Foguetes ( parte2 )
Por Iberê Mariano da Silva.

Em 25 de agosto de 1968, fomos promovidos a 2º  Tenente.

Eu, por escolha, fui classificado na 4ª Cia Mé de Mnt em Campo Grande, MT.

Lá,  após um tempo, o Comandante Maj Jaime Irajá Pereira, cedeu-me um salão ( antiga prisão em desuso )  para fazer minhas experiências com combustível líquido ( Ácido nítrico em presença de ácido sulfúrico  e Terebentina ).  
Um dia o Maj me chamou e pediu para ver os líquidos. 

Levei em dois vidrinhos pequenos para ele.

Ele perguntou se aquilo funcionava.

Eu disse que estava quase pronto.

Ele, então, me falou para derramar o conteúdo no seu lindo cinzeiro de cristal.

Eu lhe disse que era perigoso.

Ele insistiu.

Derramei um pouquinho em cada lado do cinzeiro e me afastei.

Os dois líquidos ao se encontrarem levantaram uma chama de um metro de altura e o cinzeiro espatifou. Caímos na risada.

Torneei um tarugo metálico de 10 cm de diâmetro fazendo uma câmara de combustão esférica ( um trabalhão demorado feito em duas metades semiesféricas atarraxáveis ), seguida de um venture com os ângulos aprendidos ( 30º e 12º ) em uma das semiesferas, adaptei duas pequenas válvulas na outra semiesfera que só deixavam passar líquido numa direção e saída para duas tubulações.

No meio da tubulação tinha duas válvulas elétricas ( tipo máquina de lavar ), mas de 12 volts DC ( Redhot ). As tubulações seguiam para dois reservatórios de água que serviam para lavar o vidro do Fusca de modelo bem antigo. Os reservatórios eram pressurizáveis.

Em cada um deles foi colocado uma das substâncias.

Estava pronto o motor.

Com vergalhões foi feito o esqueleto do foguete de 1,5 metros de altura e dado forma com papel alumínio  com três camadas.

À noite (eu era solteiro  e dormia no quartel), apenas com um Soldado fiel  me ajudando, levamos a tralha para o meio do campo de futebol e o acionamos. 

Ele subiu uns 10 metros, se tanto, e se despedaçou.

Recolhemos tudo e ninguém tomou conhecimento.

Só guardei por muito tempo o motor propriamente dito.

Aí eu casei com  minha querida Tania e tudo foi interrompido.

Fiz Paraquedismo Básico, Mestre Salto, Estágio Aero Terrestre e Transporte Aéreo em 1 ano; servi em Manaus 2 anos onde fiz Guerra na Selva; fiz o IME em 3 anos e fui classificado no CPrM ( Campo de Provas da Marambaia ) me apresentando no dia 16 de Dezembro de 1974.

Voltei à área, novamente, que tratava também de foguetes.

Dia 13 de Dezembro de 1974, foi lançado e rastreado pelo radar Adour francês, recém instalado, o primeiro foguete X40.

O Squib ( espécie de espoleta elétrica que inicia o propelente ) foi amadoramente ligado em 110 volts, mas o foguete voou bem.

No dia 16 de Dezembro, foi lançado o segundo X40,  que desta vez, muito mais amadoristicamente, o Squib foi ligado em 220 volts.

Isto, devido ao curto circuito provocado no interior do foguete, iniciou um incêndio dentro da câmara de combustão ocasionando a explosão do mesmo.

Cheguei neste dia e o Comandante Cel Guerreiro Brito me deu como primeira missão  fazer uma Caixa de Fogo ( dispositivo, que de modo controlável, dispara um Squib ).

Parti para fazer o projeto, estudei e projetei uma caixa de fogo para foguetes até com dois estágios independentes.

Dei o nome de KV2.

Era um dispositivo tipo CCB ( Controle Contra Burrice ).

Eu não sabia que não podia fazer isto, mas eu escrevi para a NASA e solicitei os componentes e equipamentos necessários.

Eles me remeteram em uma semana tudo e ainda agradeceram ( não sei o por quê ).

Construí o sistema caixa de fogo, escrevi o manual e testei com Squibs que me foram fornecidos.

Ela era ligada electronicamente ao Supervisor de Tiro, que do PCCT ( Posto Central de Comando de Tiro ), comandava “fogo” ( ordem de disparo ).

Nota: Os dois primeiros lançamentos foram disparados à comando de voz.

Mas, ainda havia um problema, ou seja, a origem dos tempos.

O computador CII francês (apelidado de “tempeta” dado seu comportamento temperamental de funcionar quando queria) era operado pelo Cap Charão, o radar de rastreamento Adour francês operado pelo inteligentíssimo Ten QOE Quevedo, o PCCT operado pelo meu colega de AMAN o Cap Alegretti 341, o apontador ótico para o radar operado pelo Ten Cel Caroli, a equipe da Rampa de Lançamento chefiado por mim e o pessoal dos três Postos Óticos, não possuíam uma origem dos tempos única.

Fui até o Diretor do CPrM, o Cel Guerreiro Brito, relatei o problema e pedi permissão para sanar o problema.

Ele, com olhar enigmático, me permitiu.

Tínhamos um super relógio Patek  Phillip, que fazia parte das necessidades do “tempeta”, aonde era fixado o tempo do “Count Down” ( contagem regressiva para o lançamento ).

Ele tinha um sinal de menos numa válvula Nixie enquanto o tempo era regressivo.

Este sinal era apagado quando o tempo passava a ser positivo.

Peguei do circuito o comando deste sinal, e construí a placa KV7, que mandava para o PCCT através de um relé a autorização em série com o botão de disparo do supervisor de Tiro.

Isto sincronizou tudo.

Fiz a demonstração para o Cel e este caiu na risada.

Disse-me que os franceses ( que implantaram o Sistema de Rastreamento de Mísseis na Marambaia ) lhe informaram, que a correção do tempo zero era impossível e um projeto para isto custaria milhares de Francos.

As vezes, o trabalho na rampa era difícil quando o Radar detectava que haviam embarcações pesqueiras na zona PIP ( Ponto de Impacto Provável,  ou seja, o local aonde o foguete entraria  no mar ).

Tínhamos que apontar novamente o lançador colocando nova direção e nova inclinação com uso de clinômetros e bússola.

Tudo tinha que ser feito dentro do tempo da contagem regressiva.

Um dia, o Cap Alegretti, supervisor de tiro, me propôs que fizéssemos uma rampa num caminhão basculante.

Uma Ideia genial, que guardei na memória.

Com o Cap Alegretti, estive no CLFBI ( Centro de Lançamento de Foguetes em Barreira do Inferno – Natal ) para adquirir informações afim de confeccionar a Contagem Regressiva para lançamentos.

Lá observei que o Sistema era igualzinho ao nosso.

Só que o radar era o Berg quatro vezes mais potente que o Adour.

Os franceses venderam para nós o Sistema Marambaia e o Sistema Barreira do Inferno praticamente iguais.

Fizemos parte do programa Exametnet (rede experimental de meteorologia) da NASA com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais),  e lançavamos um foguete meteorológico, o Lokidart, toda semana ( mais de 40 lançamentos ), assim como em outras diversas partes do mundo.

No Brasil era lançado na Marambaia ( CPrM ) e em Natal ( CLFBI ).

Esta rede meteorológica gerava dados para o programa dos ônibus espaciais.

Ganhei um diploma da NASA por ter ajudado o programa.

O Lokidart tinha dois estágios e 120G de aceleração.

A 60 km de altitude, ele expelia a carga útil que descia por meio de um paraquedas ( staroute ).

Ao mesmo tempo, agora de baixo para cima, lançavamos um balão meteorológico.

Desta forma, tínhamos o monitoramento completo ao longo dos 60 km.

Fui à Natal para aprender tudo.

Perdemos os dois primeiros lançamentos, pois procuramos a carga em local errado, devido em Natal, o vento na altitude de 60 km, é de 5 km/h.

Já, no Rio, é de 150 km/h.

Os dados recolhidos eram enviados para Houston e eles nos enviavam de volta, os dados de todas outras partes do mundo.

Tudo ia para o INPE.

Lançamos diversos X40, bem como o X20.  

Chegamos ao ponto de cerca de meia noite no Natal de 1975, lançarmos três X40, um X20 e um Lokidart.

Neste dia, tive um pequeno acidente.

Ao lançar o segundo X40 e sair para preparar o terceiro, respirei a fumaça oriunda do segundo e esta continha ”Fosgênio”.

Caí durinho no chão.

Logo após receber oxigênio na ambulância, sempre presente, voltei inteiro para preparar o terceiro.

Fato interessante é que devido as nuvens estarem baixas, os foguetes ao atravessá-las, ainda queimando o combustível,  provocavam uma auréola no céu.

Isto ocasionou relatos de vistas de disco voador em diversos locais como Campo Grande, Santa Cruz e até em Niterói.

Ainda mais, que a EsACosAAe ( Escola de Artilharia de Costa e Anti-Aérea ) nos apoiava com seus imensos holofotes.

Tínhamos “janelas para lançamento” dadas pela Marinha que colocava anúncio em “Avisos aos Navegantes” e pela Aeronáutica.

Ainda, reforçavamos a segurança com um espião, o Cap Iran, na torre do Aeroporto do Galeão.

Entre Rio e São Paulo existem duas aerovias, a Uba e a Tuba, que correm ao longo da Restinga da Marambaia com tráfego intenso.

Com todas preocupações possíveis e imagináveis, ainda, incidentes acontecem.

Certa vez, um caça da FAB, invadiu a área de exclusão justamente  no momento de um lançamento.

O foguete passou tão perto que o Radar de Rastreamento desacoplou do foguete e passou a traquear o avião.

Eu imagino o susto do piloto.

Eu morei numa casa na Marambaia, ao lado da casa que alojava Generais no fim de semana.

Um dia, o Gen Ayrton, salvo engano, chamou e mandou me apresentar no IME e matricular no Curso de pós graduação  em Energia Nuclear.

Ele pensava em formar um núcleo de engenheiros para projetos mais audaciosos.

Segue a terceira parte

Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – MSc AMAN – CPEAEX —  Turma 1967 – Material Bélico