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Lembrança 24

Minhas Lembranças e Participações na Área de Mísseis e Foguetes (parte4)
Por Iberê Mariano da Silva.

Em princípio eu não queria ir para a França devido grave doença de meu sogro, mas após a ameaça de ser transferido para uma vaga a ser criada em Tabatinga, eu aceitei.

Mudar de país não é fácil. 

Tem o carro, carteira de motorista internacional, alugar uma casa já que a esposa e filhos chegariam um mês depois, mudança, dinheiro, língua, o curso em si etc….

Vou tentar dar a solução que adotei caso a caso.

Primeiro relato que fomos três oficiais nomeados para a missão. 

Um ficou em Paris e eu e Maj B fomos para Toulouse, para a ENSAE (Escola Nacional Superior de Aeronáutica e Espaço).
O carro.

O Maj B e eu compramos dois Citroën GSA X3 na Maison de France no Rio e pagamos 10% em Cruzeiros.

O resto (com apenas 16% de imposto e não o normal de 33% para os franceses) pagaríamos no Aeroporto de Orly aonde os carros estariam à nossa disposição.

Deu tudo certo.

Abrimos conta no Banco do Brasil, aonde já estavam nossos depósitos feitos pelo Exército.

Pagamos o seguro como estudantes estrangeiros (mais barato) e emplacamos os carros com placa vermelha TT (temporária).

Despachamos os carros para Toulouse.

Fomos de trem.

(Uma maravilha que sai e chega nos minutos precisos) Nos apresentamos ao adido na embaixada do Brasil. (nota. Quando dissemos que o destino era a Embaixada, o motorista do Taxi retrucou que sabia aonde ficava a embaixada dos PD.).

Ficamos na mesma.

A carteira de motorista internacional, eu e a Tania, a tiramos no Touring Club do Brasil no Rio.

Foi um problema para alugar residência.

O governo tinha acabado de fazer uma lei, (dessas malucas que políticos fazem aqui) que os contratos tinham que ser no mínimo de 6 anos e que não poderiam ser reajustados.

Resultado é que ninguém queria mais alugar.

Com o princípio do Maj B que tínhamos dinheiro e portanto compraríamos as soluções, contratamos uma corretora.

O responsável por nós na escola era o Monsieur Fossart.

Ele nos matriculou num curso de Francês expedito na Université Le Mirail. Lá a nossa professora era uma Argentina.

Na primeira aula ela escreveu todos palavrões em francês para que soubéssemos quando estávamos sendo atacados (aprendemos o que significava PD).

Eis, que com o quadro negro cheio, entra na sala o diretor da Universidade para nos dar as boas vindas.

É claro que ele fingiu não ver o que a professora procurava esconder.  

Eu, ainda morando num hotel, saía e sentava em bancos duplos (um de costa para o outro) na praça aonde tinha franceses conversando. ,

No banco atrás, eu os escutava para pegar a música da língua (o que é importantíssimo). Ia, também, assistir filmes para me aperfeiçoar.

A corretora encontrou uma casa na cidade grudada, quase um bairro de Toulouse. 

Era a cidade de Saint Orens de Gameville.

No dia de fechar o contrato, a professora argentina pediu uma carona até o centro da cidade.

Iria ter conosco quando terminássemos.

Entramos no apartamento escritório da corretora e ela nos apresentou uma prima.

Olhando para esta, disse baixinho (eu ouvi), aquele ali (apontando para o Maj B) é  meu e eles tem carros.

Depois de assinar o contrato, ela foi até a porta, trancou-a e colocou a chave dentro do Soutien.

E eu observando tudo.

A corretora disse :_”Alons arroser ça”.

(Traduzindo mais ou menos =>  Vamos celebrar regando isto).

O Maj B (por isto não revelo o nome dele), querendo se aperfeiçoar no francês,  mantinha o maior papo.

Ele, inocente, sem perceber nada.

Estávamos encurralados e sem escapatória, a não ser criando tremenda saia curta.

Felizmente, toca a campainha.

A prima foi até a porta e disse que o expediente já acabara.

A campainha tocou e permaneceu tocando, enquanto batiam fortemente.  

A portinhola foi aberta.

Era nossa professora argentina, nossa salvadora.

Ela me olhou, (eu estava ali junto) e me perguntou em espanhol se queríamos permanecer ali.

Eu respondi com um taxativo não.

Aí, ela entrou com toda autoridade de um professor francês, e disse rispidamente :_ “Quero meus alunos aqui e agora !”  

E, assim fomos salvos.
 
O locador do Maj B encontrou um apartamento para mim.

Em Port Saint Sauveur, a duas quadras do centro de Toulouse.

Não tive que entrar em contato com a madame corretora tarada.

Um ano após, me mudei para uma casa recém construída em Saint Orens de Gameville.

O proprietário era Monsieur Delage.

Muito simpático e amigo, ele cuidava da casa e do terreno por mim, além de me orientar na vida dos franceses e facilitar minhas vontades.

O governo acabara de fazer uma lei, que o brasileiro só poderia, ao viajar para o exterior, adquirir até dois mil dólares.

E tinha que apresentar a passagem e o passaporte.

Nós tínhamos passaporte azul (serviço) e não o verde (turismo).

Tive que passar por diversas agências do Banco do Brasil, até que uma (talvez o gerente sem saber) me vendeu os dólares apresentando o passaporte azul.

O Exército já depositara a ajuda de custo no BB em Paris, mas precisaríamos de dinheiro ao desembarcar e trocar dólares por Francos.

Como pagaríamos taxi, comida, hotel até  abrir conta no banco?

É claro, que avisei aos outros dois companheiros.

O Exército pagou cerca de trinta mil dólares para transporte da mudança. 

Sequer estávamos levando qualquer coisa elétrica ( Rio 127 volts 60 hertz,  Toulouse  220 volts 50 hertz).

Uma crítica construtiva.

Seria mais razoável que nos desse o dinheiro e ficassem com toda nossa mobília e aproveitassem para mobiliar um próprio nacional.

Com o montante do dinheiro do transporte conseguiríamos comprar tudo lá e ainda sobraria dinheiro. 

Nota.

Na volta da França,  eu que fiz a licitação, e com uma mudança muito maior, paguei somente sete mil dólares.

A missão primária era para fazer semi-doutorado em Energia Nuclear (santa inocência do encarregado de nosso Exército).

A missão secundária (dada pela parte técnica) era fazer espionagem em dois tópicos.

É claro, que a ENSAE negou a pretensão nuclear ao eu chegar lá e matricular-me.

Como desculpa diplomática, me informaram que aquilo que o Exército pretendia era um curso de 5 anos e eu só podia ficar 2 anos.

Fui, então, matriculado na pós graduação em Aviônica (referente à eletrônica de aviões, foguetes e satélites).

Eles tinham estudado meu currículo, minha vida, meus interesses, minha vocação e pretensões minhas e do EB. 

Eta, serviço secreto francês eficiente.

Durante o curso na ENSAE, tive um mês de aula na ENAC (Escola Nacional de Aviação Civil) aonde aprendi a pilotar e traçar rotas para o A300.

Foram aulas teóricas e práticas.

O serviço de inteligência da França tinha pleno conhecimento do planejamento e estudos do Exército Brasileiro (1982).

Na ENSAE estudei em profundidade a eletrônica do A 300, do Alfajet e de um bombardeiro que esqueci o nome.

Projetei a partida de um motor a jato (considerado o melhor projeto), projetei com alguns colegas um equipamento que seguia automaticamente a rota desejada baseada em radio-farois e ainda entrei no projeto de construção do mini satélite Arsene.

A França, inteligentemente, utiliza os estudantes estrangeiros em projetos e pesquisas de seu interesse imediato.

Após um ano, o responsável por nós, Monsieur Fossart, dado meus excelentes resultados, disse-me que se arrependia de não ter me colocar em opção mais avançada. 

Dado isto, ele me transferiu para o CNES (Centro Nacional de Estudo Espacial).

E, assim, voltei a conviver com os pesquisadores e atividades na minha área, durante um ano.    

Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – MSc–CPEAEX – AMAN– Turma 1967 – Material Bélico