Minhas Lembranças e Participações na Área de Mísseis e Foguetes (parte4)
Por Iberê Mariano da Silva.
Em princípio eu não queria ir para a França devido grave doença de meu sogro, mas após a ameaça de ser transferido para uma vaga a ser criada em Tabatinga, eu aceitei.
Mudar de país não é fácil.
Tem o carro, carteira de motorista internacional, alugar uma casa já que a esposa e filhos chegariam um mês depois, mudança, dinheiro, língua, o curso em si etc….
Vou tentar dar a solução que adotei caso a caso.
Primeiro relato que fomos três oficiais nomeados para a missão.
Um ficou em Paris e eu e Maj B fomos para Toulouse, para a ENSAE (Escola Nacional Superior de Aeronáutica e Espaço).
O carro.
O Maj B e eu compramos dois Citroën GSA X3 na Maison de France no Rio e pagamos 10% em Cruzeiros.
O resto (com apenas 16% de imposto e não o normal de 33% para os franceses) pagaríamos no Aeroporto de Orly aonde os carros estariam à nossa disposição.
Deu tudo certo.
Abrimos conta no Banco do Brasil, aonde já estavam nossos depósitos feitos pelo Exército.
Pagamos o seguro como estudantes estrangeiros (mais barato) e emplacamos os carros com placa vermelha TT (temporária).
Despachamos os carros para Toulouse.
Fomos de trem.
(Uma maravilha que sai e chega nos minutos precisos) Nos apresentamos ao adido na embaixada do Brasil. (nota. Quando dissemos que o destino era a Embaixada, o motorista do Taxi retrucou que sabia aonde ficava a embaixada dos PD.).
Ficamos na mesma.
A carteira de motorista internacional, eu e a Tania, a tiramos no Touring Club do Brasil no Rio.
Foi um problema para alugar residência.
O governo tinha acabado de fazer uma lei, (dessas malucas que políticos fazem aqui) que os contratos tinham que ser no mínimo de 6 anos e que não poderiam ser reajustados.
Resultado é que ninguém queria mais alugar.
Com o princípio do Maj B que tínhamos dinheiro e portanto compraríamos as soluções, contratamos uma corretora.
O responsável por nós na escola era o Monsieur Fossart.
Ele nos matriculou num curso de Francês expedito na Université Le Mirail. Lá a nossa professora era uma Argentina.
Na primeira aula ela escreveu todos palavrões em francês para que soubéssemos quando estávamos sendo atacados (aprendemos o que significava PD).
Eis, que com o quadro negro cheio, entra na sala o diretor da Universidade para nos dar as boas vindas.
É claro que ele fingiu não ver o que a professora procurava esconder.
Eu, ainda morando num hotel, saía e sentava em bancos duplos (um de costa para o outro) na praça aonde tinha franceses conversando. ,
No banco atrás, eu os escutava para pegar a música da língua (o que é importantíssimo). Ia, também, assistir filmes para me aperfeiçoar.
A corretora encontrou uma casa na cidade grudada, quase um bairro de Toulouse.
Era a cidade de Saint Orens de Gameville.
No dia de fechar o contrato, a professora argentina pediu uma carona até o centro da cidade.
Iria ter conosco quando terminássemos.
Entramos no apartamento escritório da corretora e ela nos apresentou uma prima.
Olhando para esta, disse baixinho (eu ouvi), aquele ali (apontando para o Maj B) é meu e eles tem carros.
Depois de assinar o contrato, ela foi até a porta, trancou-a e colocou a chave dentro do Soutien.
E eu observando tudo.
A corretora disse :_”Alons arroser ça”.
(Traduzindo mais ou menos => Vamos celebrar regando isto).
O Maj B (por isto não revelo o nome dele), querendo se aperfeiçoar no francês, mantinha o maior papo.
Ele, inocente, sem perceber nada.
Estávamos encurralados e sem escapatória, a não ser criando tremenda saia curta.
Felizmente, toca a campainha.
A prima foi até a porta e disse que o expediente já acabara.
A campainha tocou e permaneceu tocando, enquanto batiam fortemente.
A portinhola foi aberta.
Era nossa professora argentina, nossa salvadora.
Ela me olhou, (eu estava ali junto) e me perguntou em espanhol se queríamos permanecer ali.
Eu respondi com um taxativo não.
Aí, ela entrou com toda autoridade de um professor francês, e disse rispidamente :_ “Quero meus alunos aqui e agora !”
E, assim fomos salvos.
O locador do Maj B encontrou um apartamento para mim.
Em Port Saint Sauveur, a duas quadras do centro de Toulouse.
Não tive que entrar em contato com a madame corretora tarada.
Um ano após, me mudei para uma casa recém construída em Saint Orens de Gameville.
O proprietário era Monsieur Delage.
Muito simpático e amigo, ele cuidava da casa e do terreno por mim, além de me orientar na vida dos franceses e facilitar minhas vontades.
O governo acabara de fazer uma lei, que o brasileiro só poderia, ao viajar para o exterior, adquirir até dois mil dólares.
E tinha que apresentar a passagem e o passaporte.
Nós tínhamos passaporte azul (serviço) e não o verde (turismo).
Tive que passar por diversas agências do Banco do Brasil, até que uma (talvez o gerente sem saber) me vendeu os dólares apresentando o passaporte azul.
O Exército já depositara a ajuda de custo no BB em Paris, mas precisaríamos de dinheiro ao desembarcar e trocar dólares por Francos.
Como pagaríamos taxi, comida, hotel até abrir conta no banco?
É claro, que avisei aos outros dois companheiros.
O Exército pagou cerca de trinta mil dólares para transporte da mudança.
Sequer estávamos levando qualquer coisa elétrica ( Rio 127 volts 60 hertz, Toulouse 220 volts 50 hertz).
Uma crítica construtiva.
Seria mais razoável que nos desse o dinheiro e ficassem com toda nossa mobília e aproveitassem para mobiliar um próprio nacional.
Com o montante do dinheiro do transporte conseguiríamos comprar tudo lá e ainda sobraria dinheiro.
Nota.
Na volta da França, eu que fiz a licitação, e com uma mudança muito maior, paguei somente sete mil dólares.
A missão primária era para fazer semi-doutorado em Energia Nuclear (santa inocência do encarregado de nosso Exército).
A missão secundária (dada pela parte técnica) era fazer espionagem em dois tópicos.
É claro, que a ENSAE negou a pretensão nuclear ao eu chegar lá e matricular-me.
Como desculpa diplomática, me informaram que aquilo que o Exército pretendia era um curso de 5 anos e eu só podia ficar 2 anos.
Fui, então, matriculado na pós graduação em Aviônica (referente à eletrônica de aviões, foguetes e satélites).
Eles tinham estudado meu currículo, minha vida, meus interesses, minha vocação e pretensões minhas e do EB.
Eta, serviço secreto francês eficiente.
Durante o curso na ENSAE, tive um mês de aula na ENAC (Escola Nacional de Aviação Civil) aonde aprendi a pilotar e traçar rotas para o A300.
Foram aulas teóricas e práticas.
O serviço de inteligência da França tinha pleno conhecimento do planejamento e estudos do Exército Brasileiro (1982).
Na ENSAE estudei em profundidade a eletrônica do A 300, do Alfajet e de um bombardeiro que esqueci o nome.
Projetei a partida de um motor a jato (considerado o melhor projeto), projetei com alguns colegas um equipamento que seguia automaticamente a rota desejada baseada em radio-farois e ainda entrei no projeto de construção do mini satélite Arsene.
A França, inteligentemente, utiliza os estudantes estrangeiros em projetos e pesquisas de seu interesse imediato.
Após um ano, o responsável por nós, Monsieur Fossart, dado meus excelentes resultados, disse-me que se arrependia de não ter me colocar em opção mais avançada.
Dado isto, ele me transferiu para o CNES (Centro Nacional de Estudo Espacial).
E, assim, voltei a conviver com os pesquisadores e atividades na minha área, durante um ano.
Gen Bda Eng Mil Veterano Iberê Mariano da Silva – Engenheiro Eletrônico e Nuclear – MSc–CPEAEX – AMAN– Turma 1967 – Material Bélico