Invenções, Pesquisas e Desenvolvimentos
Por Iberê Mariano da Silva (*)
Grande parte da minha reminiscência, eu escrevi como prefácio para o último livro do meu grande amigo falecido Ronaldo Olive.
Ele era a maior autoridade em armamento leve do Brasil.
Eu passei 24 anos de minha carreira na área de Ciência e Tecnologia e eis o que aquilatei.
A área de ciência e tecnologia (C&T) é uma expressão do Poder Nacional de um Estado soberano, ao lado das expressões militar, psicossocial, econômica e política.
Esta área é, também, um separador entre as nações que estão submissas e aquelas que almejam se projetar.
Vejamos alguns problemas dos pesquisadores e cientistas.
Em geral, são tidos, por instituições não preparadas para eles, como “criadores de casos”.
Isto é devido a estarem permanentemente vendo outra solução ou maneira diferente de encarar um problema.
Damos bolsas de estudo no exterior aos mais promissores e estes, em alguns anos, retornam.
Ao voltarem, não encontram instituições de pesquisa onde possam dar continuidade às suas pesquisas e interesses, contribuindo com o que lá fora aprenderam.
Frustram-se em uma série de problemas de caráter organizacional e administrativo, e, de duas, uma: ou voltam para o exterior ou se acomodam.
Dá-se a evasão de cérebros.
O país fica no prejuízo.
Não tem retorno do capital investido pelo contribuinte.
Os que ficam poucas vezes têm oportunidade de retransmitir seus conhecimentos.
Outro tipo de evasão de conhecimento ocorre devido à maneira esquisita de avaliação da CAPEs: ganha pontos quem publica “papers” e artigos no exterior.
Passamos, de mão beijada, para institutos fora do país os resultados das pesquisas de nossas universidades.
Eles dão continuidade à pesquisa, transformam-na em tecnologia e, pouco tempo depois, estamos comprando os produtos.
Por causa de nossa precipitação, perdemos a oportunidade de aprofundar as pesquisas e concorrer, eventualmente, a um Prêmio Nobel.
Para deslanchar a área de C&T, várias medidas devem ser tomadas.
Devem ser criados polos tecnológicos e instituições de pesquisa bem aparelhados, reais e, não apenas, demagógicos.
Deve haver um banco de dados que informe a pesquisa que está sendo realizada, sua localização e seu cronograma físico financeiro, de tal modo que outros pesquisadores em outras instituições possam somar esforços.
Deve-se estabelecer que os “royalties” pagos por uma inovação tecnológica devem ser repartidos (em porcentagens a serem discutidas) entre o grupo de pesquisadores, o financiador, a instituição na qual foi criada e a instituição à qual pertencem os pesquisadores.
Deve-se incentivar a triangulação entre institutos de pesquisa, universidades e a indústria.
Na primeira, cria-se e inova-se; na segunda, difunde-se o novo conhecimento; e, na terceira, produz-se o bem para que a sociedade tenha seu retorno.
Tudo com seus lucros.
Diversos inventores, pesquisadores e cientistas autônomos têm dificuldade de saber o que fazer ou a quem recorrer para levar à frente seus projetos, tanto no sentido financeiro como no mercadológico.
Com isto, diversas inovações se perdem.
Um fator que deve ser olhado de perto é o tocante ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Patentes são caras e demoradas para pessoas físicas.
Em diversas empresas existem soluções que valem patentes.
O INPI poderia atuar mais.
Se o número de patentes no Brasil é baixo, talvez, esteja aí a causa.
O INPI poderia se organizar mais e passar a ser aquinhoado com verbas mais compatíveis.
O retorno é certo.
Outro óbice são organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras, que fazem de tudo para criar embaraços e acabar com pesquisas que não lhes interesse que tenhamos.
É o caso de transgênicos, hormesis, células-tronco, supercondutores, química fina, exploração espacial etc.
Os nossos primeiros inventores foram e são os índios.
Suas atividades são primordialmente na área da medicina natural.
O conhecimento de suas plantas medicinais fazem parte da cobiça dos pesquisadores estrangeiros, que aqui veem para espoliar os indígenas a fim de conhecer os princípios ativos das mesmas.
Os brasileiros são muito criativos, não só ao inventar, mas, como também para improvisar em situações que se fazem mister.
Porém, nada tem divulgação.
Vou dar alguns exemplos de invenções de brasileiros ou de estrangeiros que aqui convivem ou conviveram conosco:
Escorredor de Arroz, dona de casa Therezinha Beatriz Alves de Andrade, 1959, Máquina de Escrever, padre João Francisco de Azevedo, Identificador de Chamadas Telefônicas (BINA), técnico Nélio José Nicolai, 1980, Urna de Votação Eletrônica, Juiz Carlos Prudêncio, 1989, Chuveiro Elétrico, Francisco Navarro, 1927, Painel Eletrônico (Estádios Esportivos), Carlos Eduardo Lamboglia,1997, Doce Brigadeiro, dona de casa Heloisa Nabuco, Avião Com Decolagem Autônoma e Hábito do Uso de Relógio de Pulso, Alberto Santos-Dumont, 1906, Rádio, Telégrafo Sem Fio, padre católico Roberto Landell de Moura, 1892, Relação entre Microcefalia e o Vírus Zica, Dra Celina Maria Turchi Martelli, 2016, Orelhão Telefônico, designer Chu Ming Silveira, chinesa, naturalizada brasileira, 1970, Cartão Telefônico, engenheiro Nélson Guilherme Bardini, 1985, mas, adotado no Brasil só em 1992, Coração Artificial, engenheiro mecânico Aron de Andrade, 2000, Inúmeras Invenções em Robotrônica, Coronel EB Antonio Iris Teixeira, nas décadas de 1980 e 1990, Radiografia de Pulmão (Abreugrafia), médico Manuel de Abreu, 1936, Fotografia, Antoine Hercule Florence, 1833, um francês que viveu aqui por muitos anos, Cinema 3D, Sebastião Comparato, 1934, italiano chegado no Brasil com seis meses de idade, Máquina de Comunicação com Pessoas em Coma e Estado Vegetativo, Luiz Fernando da Dilva Borges, com 18 anos apenas, Câmbio Automático, engenheiro mecânico José Braz Araripe, 1932 (a GM comprou a patente e produziu primeiro carro hidramático em 1938), Motor a Álcool, Coronel-Aviador Urbano Ernesto Stumpf, 1973/ 1974, Escova Progressiva, cabeleireiros do subúrbio do Rio de Janeiro,1998, Interfaces Cérebro-Máquina, por um grupo de 150 cientistas liderados pelo brasileiro Miguel Nicolelis, Soro Antiofídico, imunologista Vital Brazil, 1903, bem como soros para picadas de escorpião, 1908, e soros para veneno de aranha, 1925, Walkman, Andreas Pavel, alemão que veio para o Brasil aos seis anos e aos vinte e sete anos, em 1972, criou o aparelho de som portátil, a que batizou de Stereobelt, Balão a Ar, por Bartolomeu de Gusmão, 1709, criou a Passarola.
Balões a ar foram utilizados por Caxias na Guerra do Paraguai para observadores, Facebook, Eduardo Saveiro, que foi cofundador da companhia, Eliminador de Fungos ( Sterilair ), Alinton Fiorenzano que acabava com fungos em bibliotecas, livrarias, armários, etc; Vidro com o Mesmo Índice de Dilatação do Aço, Coronel Serra, do IPD do Exército Brasileiro, e vários outros que deixo de documentar.
Devido a minhas atividades profissionais, convivi com diversas pessoas geniais.
Para não sair nominando todas — o que seria uma lista muito longa — citarei dois dos mais humildes, verdadeiras mentes privilegiadas.
Foram dois soldados do EB que não tinham, sequer, o curso fundamental completo.
O primeiro é o Soldado Jesus, que era um exímio projetista e confeccionador de qualquer produto militar de Intendência.
O segundo é o soldado Josué.
Este falava fluentemente o inglês e conhecia profundamente a informática, tanto Software como Hardware.
Recebida a ordem, em uma semana passou a dominar plenamente o francês.
Transferido para o Instituto de Projetos Especiais do IPD, em três meses aprendeu sozinho tudo de Neutrônica e muito nos ajudou na construção de um Arranjo de Grafite Urânio Subcrítico ( ARGUS ).
Quando servíamos na Secretaria de Ciência e Tecnologia, minha equipe e eu fomos encarregados de recepcionar os inventores e inovadores que lá se apresentavam.
O objetivo era verificar a viabilidade, orientar, ver as possibilidades no mercado, corrigir ( dentro do nosso alcance ) eventuais erros e acompanhar a evolução das pesquisas.
Um dos que mais se destacaram foi o Sr. Nelmo Suzano.
Ele era um gênio como inventor e inovador de armamento leve.
Projetou e construiu diversos protótipos revolucionários para a época.
Diversos países o procuraram para que ele construísse suas armas em suas respectivas nações.
A despeito de sua genialidade, o meu amigo Nelmo fez inimigos importantes, talvez, por inveja destes.
Um grande problema em sua vida, pelo que me chegou, foi um de seus sócios, que era um falso amigo.
Este camuflava do Nelmo todos os convites e propostas que vinham do exterior.
O Secretário de Ciencia e Tecnologia, informado, fazia o possível para apoiá-lo.
Procurou criar entendimentos entre firmas nacionais e o Nelmo.
Este, quando procurava as referidas firmas, era recebido com propostas financeiras indecentes e, mesmo, grotescas, que o exploravam.
No Exército, haviam dois altos coturnos, sem muita influência, mas, que faziam de tudo para obstaculizar o Nelmo e suas armas.
Um era um engenheiro de armamento, que jamais foi capaz de construir um estilingue sequer.
Ele era contra o Nelmo porque o Nelmo não era engenheiro.
O outro era um engenheiro de comunicações, que dizia querer uma estátua na frente da Fábrica de Itajubá por ter salvo a Imbel das armas do Nelmo.
Quanta torpeza, vaidade e vilania dos dois!
Quando o Nelmo colocou o fuzil LAPA FA- 03, calibre 5,56X45mm, para ser testado no Campo de Provas da Marambaia, as provas começaram a dar “não conforme”.
Verificamos, posteriormente, que toda munição era defeituosa.
Eu sei até hoje o paradeiro das ditas munições que foram recolhidas.
Eu até gostaria de pensar em ter sido incompetência, mas, acredito mesmo em sabotagem.
Nelmo e eu nos tornamos amigos em 1993 até sua morte, em 18 de julho de 2014.
Nossas almas de pronto se casaram.
Estávamos sempre juntos, tentando contornar os óbices.
Seu maior orgulho era a patente da mola recuperadora de três fios.
Já mais velho, com a saúde muito comprometida e com receio de roubo ou embargo, durante algum tempo, naquele passado, Nelmo me confiou todo seu acervo para que eu me tornasse o guardião do mesmo enquanto durasse a necessidade, o que ocorreu por longo tempo.
Em 1996, engenheiros da África do Sul vieram demonstrar uma então revolucionária mira ACOG Trijicon, de ponto luminescente, para o Exército Brasileiro.
Aproveitamos e mostramos para eles o fuzil FA-03.
Eles me deram, então, um exemplar da mira para adaptarmos na arma e fazermos um teste do conjunto, filmado e fotografado.
A adaptação foi feita sob nossa orientação no IPE.
Solicitei ao Batalhão de Guardas o seu pior atirador.
O Soldado era tão ruim, que vieram mais dois, só para tomar conta dele.
Os dois primeiros tiros ele errou.
Após instruir um pouco mais o soldado, ele deu os outros treze tiros na mosca.
Os sul africanos ficaram entusiasmados.
Disseram que aquele era o melhor conjunto do mundo.
Não iam produzi-lo apenas porque tinham acabado de produzir um novo fuzil para a África do Sul.
O Brasil perdeu um grande inventor em 2014, e eu, um grande amigo.
Hoje, não existe nação desenvolvida e verdadeiramente soberana sem uma atividade intensa de C&T.
(*) General-de-brigada engenheiro militar veterano, AMAN Mat Bel 67, Pqdt Militar, Mestre Salto, Guerra na Selva, Graduado ( Eng Eletrônica ) e Pós-graduado MSc ( Nuclear ) pelo Instituto Militar de Engenharia ( IME ) e pela École Nationale Supérieure de l’Aéronautique et l’Espace ( França ), diplomado pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército ( CPEAEx ).