Um Grande Comandante
Por Iberê Mariano da Silva (▪)
Minha turma de Material Bélico na AMAN, turma Independência de 1967, foi classificada em dois grupos.
Sete foram classificados no Batalhão de Manutenção da Divisão Blindada e oito no Batalhão Escola de Material Bélico.
O Batalhão de Manutenção era comandado pelo Cel Roberto Moura (irmão do Ten Moura homenageado na AMAN – PTM).
Lá, criei um grupo de pronto atendimento para saídas emergenciais tendo em vista as confusões de subversivos de 1968.
Várias vezes fomos empregados como apoio à tropas.
Sempre muito armados, treinados e preparados.
Em 25 de agosto de 68, fomos promovidos e classificados em diversas Unidades.
Como segundo da turma e meu espírito aventureiro, escolhi servir na 4ª Cia Média de Manutenção em Campo Grande MT, subordinada à 4ª Divisão de Cavalaria .
O Cel Roberto Moura, também, foi transferido para Campo Grande para ser o ChEM do Gen Plínio Pitaluga, herói da FEB (onde comandou o 1º Esquadrão de Reconhecimento Mecanizado com blindados M8), Comandante da 4ª DC.
O Cel me apresentou ao Gen enchendo-me de elogios.
A princípio o Gen queria me nomear como seu Ajudante de Ordens.
O Cel lhe comunicou que isto era função de Capitão.
O Gen, então disse uma das suas célebres frases:_ “ Os regulamentos são feitos para os Generais mudarem “.
Claro que não fui nomeado, nem podia.
O Gen Plínio Pitaluga se transformou em grande amigo, confiava em mim, e toda missão espinhosa me designava.
Na época, Campo Grande só tinha cinco tenentes da AMAN, sendo quatro de Mat Bel e um de Intendência.
Meu Cmt na 4ª Cia Mé Mnt era o Maj Jaime Irajá Pereira. (Nota: Graças aos Senhores do Exército, ele não tinha ciúmes nem chefoses)
Tinha um mês de Quartel e recebi ordem direta do Gen Pitaluga.
“_ Iberê, na rodoviária tem um cara querendo sequestrar um ônibus.
Vá lá e resolva”.
Devidamente armado, me dirigi até o local.
Conhecia bem os ônibus da Cia Mato-grossense.
Sabia que na frente do ônibus tinha um dispositivo, que para emergências, comandava a abertura da porta.
Instruí um policial a operar.
Fui até a porta e comandei o policia e adentrei o ônibus e em voz de comando ordenei ao pseudo sequestrador. “_ Larga a faca, renda-se e desça agora do ônibus “.
O mesmo desceu e se entregou à polícia.
O Exército foi aplaudido pelos passageiros reféns.
Narrei o fato para o Gen Pitaluga que se dobrava de rir
Fui designado para buscar umas trinta viaturas novas no DRMM2 (Depósito Regional de Moto Mecanização 2) em São Paulo.
Lá, organizei o comboio e parti para enfrentar os cerca de 1100 km.
À noite, paramos em uma área de um posto de gasolina e fizemos um círculo com as viaturas e fomos rodando até que os para-choques se encontraram. No meio ficava a viatura ambulância que eu dirigia, pois faltara um motorista. ( Na época, Oficial de Mat Bel era autorizado a dirigir em comboio e prova técnica).
No meio da viagem, o comboio parou.
Eu que dirigia na retaguarda, avancei e encontrei uns guardas rodoviários que queriam saber, para informar ao Governador, o destino e a causa daquele comboio.
Eu disse-lhes que era segredo e que tinham que mantê-lo e que estávamos indo para invadir o Paraguai.
Acreditaram e saíram da frente.
Entregue o relatório ao Gen Pitaluga ele se dobrou de rir.
Atrás do QG da 4aDC tinha uma praça.
O Gen Pitaluga sentava num banco no centro.
À sua retaguarda ficava a Fanfarra da DC.
Vez por outra, ele comandava para a Fanfarra:_” Toque um rasqueado aí “.
Ele chamava a praça de Praça da Alegria, aonde ficava um bobo sentado e vinham os palhaços despachar.
Ele era um sujeito bem humorado, gozador ao extremo e muito alegre.
Eu tirava serviço de Auxiliar de Dia ao Oficial de Dia à Guarnição.
Pela manhã me apresentava por ter passado o serviço ao Gen Pitaluga.
Ele sempre tinha um caso para me contar.
Uma das vezes ele me perguntou porque os filhos dele de uns 5 anos (nota: Ai de quem perguntasse a ele se eram seus netos), o porquê seus filhos não respeitavam ninguém a não ser a mim.
Eu, então, comecei a narrativa.
O veículo vinculado a ele um Aero Willys novinho, que eu trouxera de São Paulo, em uma semana voltou à Cia de Mnt todo arranhado no porta mala e capô.
Após polido, uma semana depois o fato se repetiu.
Estávamos invocados.
E da última vez que eu tinha vindo ao QG, encontrei seus filhos subindo no teto do carro e escorregando para o porta malas e capô.
Eu, ralhei com eles e disse-lhes com voz de bravo :_ ” Desçam já daí seus moleques”. Eles desceram e me afrontaram :” O Sr sabe quem é meu pai? ” . Eu perguntei, quem? Eles retrucaram :” É o Gen Pitaluga ! “. Aí, eu perguntei a eles:” E vocês sabem quem é o meu pai?” Eles , quem? Eu então, lhes falei:” É o Ministro da Guerra, Chefe do seu pai.”
Eles abaixaram a cabeça e começaram a me respeitar, pois meu pai era mais que o pai deles.
O Gen Pitaluga dava gargalhadas.
Uma das vezes que fui me apresentar por término de serviço, encontrei uma senhora aflita que queria falar com o General.
Como sabia que ele recebia todo mundo, acompanhei-a.
Ela, na presença do General, começou a reclamar que um Sargento (pertencente à minha unidade inclusive) tinha abusado da filha dela.
Ele, enquanto ela falava, pegou calmamente sua espada que ficava como enfeite sobre sua mesa.
Como se fosse um fato corriqueiro, desembainhou-a.
Ato contínuo começou a tentar embainha-la novamente.
E ficava tentando e tentando e não conseguindo.
A mulher vendo isto, se aproximou, pegou a ponta da espada e a ajustou na boca da bainha.
Foi aí que ele falou:_” Esta vendo, minha senhora, se não fosse o seu jeitinho, não tinha entrado! ”.
E , assim terminou a reclamação.
Eu, sorrindo para dentro, sério, me apresentei e me retirei.
O General Pitaluga tinha uma anta de estimação.
Ela andava por todo QG.
Ela era o terror de todos Coronéis do Estado Maior, pois ela comia todos papéis que estivessem sobre as mesas.
Eu, ainda solteiro, dormia num quarto do meu Quartel.
Um dia, mais ou menos às 2:00 h da manhã, acordei com um tiro de fuzil.
Rapidamente me fardei, peguei minha pistola e parti para ver o que ocorrera.
Todo pessoal de serviço estava de prontidão vasculhando todo terreno.
Encontramos um Soldado que estava “na hora” desmaiado no chão.
O tiro partira dele.
Cabe lembrar que o guerrilheiro Capitão Lamarca supunha-se que estava pela área.
Portanto, o serviço era tenso.
O Soldado, então relatou que ouvira um barulho “ rsq, rsq, rsq” no terreno baldio que ficava ao lado do Quartel.
Que gritara ALTO TRÊS VEZES e como não parou o barulho ele atirou.
Amanheceu e fomos examinar a área fazendo uma varredura.
Encontramos a anta de estimação do General.
O tiro dado pelo soldado pior atirador do Quartel, tinha entrado pela cabeça da anta e saído pelo rabo.
Com o conhecimento do fato, o Maj Irajá me determinou que fosse relatar o fato ao General, pois eu era “peixe” dele.
Na presença do General, contei o incidente todo e o comportamento do Soldado.
Ele mandou elogiar o mesmo em boletim.
Aí falei para o General que tinha tido uma consequência.
Ele me perguntou :qual ? Aí, eu falei :” Em consequência, vossa anta está morta”.
Pedi permissão para me retirar e caí fora.
Soube, que ele mandou enterrar a anta.
O cozinheiro do QG lamentou.
Veio ordem do Cel Moura ChEM da 4ª DC que eu estava nomeado pelo Cmt da 9ª RM, o Gen Div Ramiro ( Ele fora meu Cmt na DB e me conhecia bem), para ser o Chefe da figuração inimiga na manobra da Região e que tinha autorização para formar minha equipe utilizando pessoal de todas Unidades.
Eu, então, estive em todas unidades onde os respectivos Comandantes me ofereciam seus melhores soldados.
Eu os recusava e pedia os Soldados mais alterados.
Eu reuni a equipe, doutrinei-os, entusiasmei-os, incentivei-os, e disse-lhe que era a chance de eles provarem seus valores.
Recebemos uns braçais vermelhos e os fiz se orgulharem de serem uma tropa coesa.
Começou a manobra.
Fazíamos emboscadas.
Destruíamos (figurativamente ), materiais, canhões, viaturas, paióis, causávamos baixas etc.
Os árbitros de braçais verdes, julgavam rapidamente e sempre ganhávamos.
A moral da minha pequena tropa subia cada vez mais.
Com experiência adquirida éramos ainda mais arrojados nas escaramuças.
A manobra terminou e o resultado foi dado pelos árbitros que o inimigo tinha sido expulso para outra região, não cabendo mais a missão à 9ª RM.
Minha pequena tropa ficou exultante.
Os paraguaios desde 1965 reiteravam a devolução das terras perdidas na Guerra do Paraguai, pois já fizera 100 anos.
Em 1969, começou o que chamamos de batalha dos marcos.
Os paraguaios destruíam os marcos de fronteira ou os lançavam no rio.
Numa operação secreta, nós da 4ª Cia Mé de Mnt, construíamos novos e cabia a mim colocar as marcas do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (era meu xará) .
Cada marco pesava em média 500 kg.
À noite, saia uma pick-up Willys ¾ ton 4×4 com dois marcos.
Ela ia se arrastando, toda fechada, em direção à fronteira para repor os marcos.
Houve, então, uma determinação que foi conduzida e chefiada pelo Gen Plínio Pitaluga.
Era uma demonstração de força disfarçada como se fosse uma homenagem aos bravos da Retirada da Laguna.
Com duas viaturas em média de cada unidade formou-se um comboio.
Eram: 2 viaturas da PE, 2 de Cia Com, 2 Carros Blindados M8 do Esq Rec Mec, 2 de Saúde, 2 transporte de tropa Mercedes Benz 1111 2 ½ ton 4×4, 2 canhões do 9 G Can, etc.
A minha Unidade, sob meu comando, integrava o comboio com uma vtr Chevrolet 1942 1 ¼ ton 4×4 que levava suprimentos e mecânicos, 1 vtr cisterna dupla que levava combustível e 1 vtr socorrão guincho.
Partimos de Campo Grande e parávamos em cada povoado pré-programado.
Nestes locais havia uma comemoração, uma salva de 3 tiros dos canhões e um pequeno desfile.
Em geral era nos oferecido um churrasco.
Ao longo dos trajetos eu tinha que reparar os canhões, que devido às estradas nuas ou encascalhadas, plenas de buracos e poças d’água e enlameadas, sofriam danos.
Em Nioaque (aonde anos mais tarde serviu o Ten Bolsonaro), mais duas peças de canhões do G Can local se somaram ao comboio.
Eu sempre chegava atrasado devido às reparações que fazia nas vtr e peças que ficavam para trás.
Fui falar com o General e pedi que os canhões fossem embarcados nas vtr em vez de rebocados, devido as avarias que vinham sofrendo.
Ele concordou.
Com pranchões e roldanas os canhões passaram a ser embarcados e não deram mais problemas.
Depois do comboio permear a fronteira, com diversas paradas e tiros de salvas, voltamos para as Unidades de origem e cessaram de vez as manifestações.
Ganhei um diploma de participação que muito me honra e o guardo com carinho e orgulho.
O General Pitaluga, mais tarde, vez outra marcha por ele chamada de Marcha do Otimismo.
Nela ele fazia uma competição até Porto Murtinho de tropa à cavalo e tropa em viaturas. (Ele queria provar algo para o Estado Maior do Exército.)
A tropa à cavalo ganhou.
Nesta, eu não participei.
Eu, mais tarde, ainda em gala, recebi uma nova missão espinhosa a ser realizada na Fazenda Santo Antonio das Três Marias.
Esta missão já foi contada em outra crônica.
O General Bda Plínio Pitaluga, falecido em 17 Dez 2002, era uma pessoa muito ativa.
Estava sempre em constante atividade e participando de tudo.
Estava sempre presente em todas suas OMs subordinadas por mais longínquas que fossem.
Foi um Senhor Comandante que tive.
Graças a pessoas como ele, o Comando Militar do Oeste é a potência militar que é atualmente.
(*) General-de-brigada engenheiro militar veterano, AMAN Mat Bel 67, Pqdt Militar, Mestre Salto, Guerra na Selva, Graduado (Eng Eletrônica) e Pós-graduado MSc (Nuclear) pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e pela École Nationale Supérieure de l’Aéronautique et l’Espace (França), diplomado pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx).