Série Sobre UNAVEM III
Por Iberê Mariano da Silva (▪)
1ª parte.
Quando eu servia na SCT (Secretaria de Ciência e Tecnologia), fui designado para uma missão do EMFA ( Estado Maior das Forças Armadas) em Angola.
Passo agora a relatar sobre a mesma.
Primeiro, vejamos que se tratava da terceira missão da ONU em Angola.
MISSÕES DA UNAVEM EM ANGOLA.
· UNAVEM I
Estabelecida a partir do Acordo de New York em 1988
Objetivo: Monitorar a saída das tropas cubanas.
· UNAVEM II
Estabelecida a partir do Acordo de Bicesse em 1991.
Objetivo: Monitorar situação no período de eleições
Efetivo: 80 militares, policiais militares e médicos (no início); 350 observadores militares, 126 observadores policiais e apoio de EM (em novembro 1994).
· UNAVEM III
Estabelecida a partir do Protocolo de Lusaka em 1995.
Objetivos: Incorporar missão UNAVEM II
Conduzir operações de manutenção de Paz com base no Acordo de cessar fogo, seguindo as premissas estabelecidas no mandato do Conselho de Segurança e em conformidade com o Protocolo de Lusaka
Efetivo: Cerca de 7.000 homens de diversas nações, incluindo pessoal da UNAVEM II, Unidades de Infantaria, Apoio Logístico e outras.
MISSÃO DO EMFA.
Portaria de designação para missão no exterior: Portaria Ministerial No 681 de 23 Out de 1996
Duração: 7 dias a partir de 7 de Nov.
Missão: Viagem de Apoio ao COBRAVEM
Participação: SCT, EME (5a), DMov – (1 Of por OM) , EsMB – (1 Sgt), EsSA – (2 Sgt) EMFA (FA-31) – (1 Of).
Missão Particular do EMFA
Propósito:
Realizar ressuprimento do COBRAVEM, verificação das atividades em curso e da situação do material.
Período:
06 a 14 Nov 96
Concepção:
A viagem será em aeronave, C-130 da FAB partindo do Rio de Janeiro para Luanda.
A aeronave C-130, será empregada para transporte de suprimentos do COBRAVEM e transporte da comitiva.
A comitiva será recebida pelo ADIFA/LUANDA e por Oficiais brasileiros da UNAVEM III.
O Chefe da comitiva será o Cel QEM Iberê Mariano da Silva.
Diversos:
- Uniformes:
4oA1 (camuflado com blusa de serviço/gorro com pala)
Tarja BRASIL nas mangas do braço direito.
Equipamentos:
Capacete e colete à prova de estilhaços serão fornecidos pelas unidades do COBRAVEM quando necessário.
Portar placas de identificação de campanha durante toda missão
- Armamento:
Nenhum - Passaporte:
Deverão ser portados com respectivo visto de entrada em Angola. - Precauções médicas:
Observar prescrições da ONU e da OMS principalmente quanto à profilaxia contra a malária.
Devem estar vacinados contra febre amarela e munidos respectivo Certificado Internacional de Vacinação.
No regresso, ainda na Base Aérea do Galeão, serão submetidos à um exame médico por equipe do Instituto de Biologia do Exército
- Diferença de Fuso:
Luanda/Brasília – 3 horas a mais em Luanda.
DISPOSIÇÃO DA TROPA BRASILEIRA NO TERRENO.
· Batalhão de Infantaria de Força de Paz (BRABAT)
Desdobrado principalmente nas Províncias de Bie e Moxico. (63 Oficiais, 737 Praças).
A sede do Batalhão está localizada na cidade de Kuito com a 1a, 2a e 4a Cias desdobradas em Andulo, Lumeji Chitembo respectivamente. (119, 70, 124 militares).
A 4a Cia é constituída de Fuzileiros Navais.
A 3a Cia está próxima à sede do batalhão. (119 militares)
A Cia C Ap e a Cia Sv estão juntas ao Batalhão. (138, 160 militares.
O EM do Btl possui mais 20 Oficiais).
· Companhia de Engenharia de Força de Paz
Desdobrada principalmente nas províncias de Bengo, Cuanza Norte, Malanje, Lunda Norte e Lunda Sul
A sede da Cia está localizada em Calamboloca.
Seus pelotões de Construção, Combate, Pontes, Manutenção / Suprimento de Água desdobrados segundo as missões de curta duração que lhe são atribuídas pelo Escalão Superior.
Não tem nenhuma subordinação ao Batalhão de Infantaria.
· Posto Avançado de Saúde
Localizado em Luena na Província de Moxico.
· Base do Posto de Saúde Avançado (Marinha do Brasil)
Localizado em Huambo na Província de mesmo nome.
OS PREPARATIVOS.
O Passaporte:
Foi providenciado junto ao SPE/AJG do Cmdo CML.
Foi solicitado cópia da Carteira de Identidade e comprovante de votação na última eleição, 3 retratos 5×7 e 2 3×4, assinatura de documento requerendo visto de entrada em Angola. (Profissionais em ação).
As Vacinações:
A vacina contra a Febre Amarela foi feita na Praça XV (Capitania dos Portos) no Departamento de Vigilância Sanitária de Portos, Aeroportos e Fronteiras, da Secretaria de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde, em 16 Out 96.
A vacina contra as patologias de Tétano e Hepatite B foram feitas no IBEx no final de Out 96. (Profissionais em ação).
As Recomendações do IBEx:
1. Vacinar-se (como descrito e executado acima);
1. Não ingerir alimentos que não sejam preparados pela tropa brasileira ou em hotel de alta qualidade (Hotel Trópico), devido risco de Cólera, Hepatite tipo A e outras doenças veiculadas pela água e pelos alimentos;
1. A água a ser ingerida, somente a tratada pelo Exército Brasileiro ou refrigerantes internacionais;
1. Evitar as saídas ao entardecer e amanhecer, (maior incidência dos mosquitos transmissores de Malária;
1. Utilizar repelentes de mosquitos no uniforme e na pele exposta (LQFEx);
1. Usar mosquiteiros e aspergir inseticida no quarto em que for dormir;
1. Tomar Mefloquina (quimioprofilaxia da Malária). Remédio fabricado pelo Exército no LQFEx.
Iniciar 15 dias antes da viagem e continuar por um mês após o regresso ao Brasil, ingerindo um comprimido por semana;
1 Mesmo em uso da medicação que evita a malária cerebral (mortal em 2 horas) se por ventura tiver febre no regresso ao Brasil, lembrar ao médico que o examinar da possibilidade de estar com Malária;
1. No caso de relação sexual, usar preservativo; e
1. Cuidados com risco de Cobras e outros animais peçonhentos.
Visita ao LQFEx:
Gentilmente me foi cedido o repelente determinado nas orientações do EME (5a Seção ) e recomendado pelo IBEx. (Profissionais em ação).
Visita ao IBEx:
Gentilmente me foi cedido os comprimidos de Mefloquina, vacinação (3) além de palestra com as recomendações acima descritas. (Profissionais em ação).
O Visto:
Na tarde anterior ao embarque, que seria feito às 6:00h da manhã, os passaportes dos 3 Sargentos e o meu estavam presos no Consulado de Angola sem previsão de serem entregues.
Juntamente com o Ten Cel Chefe da Seção do CML encarregado dos passaportes e os 3 Sargentos, fui ao Consulado aonde fomos gentilmente recebido pelo Cônsul Geral da República de Angola, Sr. Ismael da Silva, 1:00 h após chegarmos (Após ameaçar a secretária que iríamos embora).
Este, identificou sua funcionária relapsa, que estava fazendo “corpo mole”, advertiu-a, e após 1:00 h, recebemos os passaportes com os referidos vistos.
Estudo da Situação:
Fiz um estudo geral do material de emprego militar que estava em Angola e coletei informações gerais sobre o País.
A VIAGEM BRASIL ANGOLA.
Após a tripulação de 18 militares (5 Of e 13 Sgt), a comitiva ( 2 Of EB, 1 Of FN e 2 Sgt EB) e um Of FAB se apresentarem a mim (o militar mais antigo), embarcamos na Anv C-130.
A aeronave já estava totalmente carregada com os suprimentos para Angola. (Estava com aprox 40 Ton inclusos 2 tanques externos extra de combustível).
Acantonamos por sobre a carga e decolamos às 8:00 h local, com destino a Recife.
Lá chegamos após 4:00 h de viagem, aonde almoçamos.
Nos apresentamos (os 2 Maj Av e eu como Chefe da Comitiva) ao Cmt da Base Aérea de Recife e fomos tratados com toda fidalguia pelos companheiros que lá servem.
Às 14:00 h, com a aeronave reabastecida decolamos em direção à ilha de Ascenção aonde chegamos após 4:30 h de vôo.
Lá os 26 brasileiros foram alojados em um alojamento militar, após cumprir algumas formalidades legais, tais como fornecer posto e nome de todos militares e destino da aeronave.
Após o pernoite, tomamos o café da manhã e pagamos cada um US$ 4,00 pela refeição e US$ 5,00 pelo alojamento.
Cabe aqui ressaltar a necessidade de se recomendar levar dinheiro em espécie em moeda estrangeira, para fazer face a estas despesas, quando diárias só serão pagas no último dia.
Reabastecida a Anv, partimos às 8:00 h local com destino à Luanda voando por cerca de 5:50 h.
Sobrevoamos a pista duas vezes, pois a torre não respondia. Sobrevoamos a pista por cautela para ver se não havia quaisquer perigo.
Os pilotos tiveram alguma dificuldade para taxiar a Aeronave e acabaram parando e me perguntaram aonde.
Eu lhes disse:_“aqui mesmo”.
Os pilotos da FAB estavam com receio de que o lixo metálico na pista, pudessem danificar nossa aeronave.
Eles, a partir daí, fizeram uma pequena licitação expedita para ver quem reabasteceria o C130 dentro dos 3 que se apresentaram.
Pagaram, na hora, em dólares.
Por todos lados, sucatas e aviões destruídos ou canibalizados.
Pedaços de caças, aviões de transporte, aviões de passageiros, helicópteros de origem russa estavam por todos lados.
Nenhuma autoridade do aeroporto apareceu ou deu qualquer instrução.
Ninguém solicitou nossos passaportes, muito menos se interessou por visto.
Parecia terra de ninguém.
Em Luanda fomos recebidos pelo ADIFA /Angola, ADIFA/África do Sul (em férias) e pela tropa brasileira que sem perder tempo começou a retirar da aeronave o suprimento que lhe cabia.
Fomos instruídos pelo ADIFA, que além de não valer a pena, era perigoso sair sozinho à noite em Luanda.
Fomos alojados no Hotel Trópico (Alta qualidade no conceito Angola), a US$100,00 ou 21.000.000,00 de Kuanzas o pernoite.
Grande problema ao entrar no quarto que me foi destinado.
Ele já estava ocupado, e que odor.
Após o reparo do erro pela portaria, no novo quarto foi necessário desinfetar o banheiro.
Os Oficiais da FAB utilizaram para banho a água mineral engarrafada no Brasil.
À noite, fomos recebidos socialmente com toda cortesia e amabilidade pelo ADIFA e senhora.
Com apoio providenciado pelo ADIFA, fomos pela manhã para o Aeroporto, aonde a aeronave já estava reabastecida.
Decolamos, e após 01:15 h de vôo, deixarmos o suprimento destinado a Huambo e seguirmos a perna final para Kuito com duração de 40 minutos.
Às 10:30 local aproximadamente chegamos a Kuito aonde recebemos as honras militares regulamentares pelo Btl Inf.
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Segue 2ª parte
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(*) General-de-Brigada Engenheiro Militar Veterano, AMAN Mat Bel 67, Pqdt Militar, Mestre Salto, Guerra na Selva, Graduado (Eng Eletrônica) e Pós-graduado MSc (Nuclear) pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e pela École Nationale Supérieure de l’Aéronautique et l’Espace (França) , diplomado pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx).