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Lembrança 29

Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar
Por Iberê Mariano da Silva (▪)

    1ª parte

Fui nomeado diretor do Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar  e assumi a Direção  em 5 de fevereiro de 1996.

Uma nova e emocionante atribuição da minha vida.

Tinha a responsabilidade de inúmeras pessoas, e cuidar e manutenir material de nosso Exército.

Tive inúmeros desafios entre os quais destaco:

1_Modernizar o Parque cujo estado não era dos melhores e com equipamentos muito velhos;

2_Receber os novos Carros de Combate Leopard I comprados da Bélgica e acompanhar a  manutenção de entrega feita pelos belgas;

3_Receber e Manutenir todo material proveniente de Angola que se encontrava na missão UNAVEM III da ONU.

Vou relatar primeiro sobre a grande missão sobre o material de Angola.

Certo dia recebi a ordem do QG do EB em Brasília, para em três dias informar o quanto precisava em dinheiro para recuperar o material que estava em Angola.

Loucura total.

Como avaliar sem ver ao menos o material e em três dias ! 

É bem de um burocrata dando ordem absurda sentado em seu gabinete, sem o mínimo conhecimento do que a ordem representava.

Eram 1 Batalhão completo, 1 Companhia de Engenharia reforçada  e um Destacamento de Saúde vindos de um Teatro de Operações d’além mar.

Felizmente, temos amigos, e amigos de verdade são aqueles que aparecem espontaneamente para nos ajudar nos momentos difíceis. 

Fui informado, por ele, que o Brasil tinha recebido 8 milhões de dólares  para aquela finalidade.

Entrei em contato com o meu amigo da Marinha que Comandava o Batalhão Logístico de Fuzileiros Navais que possuía um quinto do efetivo em Angola.

Perguntei a ele como ele estava e ele me respondeu que estava apavorado devido a ordem absurda que tinha recebido do seu comando em Brasília. 

Deixei ele ficar mais calmo, e após dizer-lhe que tinha recebido ordem igual, relatei sobre meu amigo de Brasília que tinha me dado (sorrateiramente) o montante da verba destinada à manutenção.

Disse-lhe que sabia que ele tinha em Angola 1/5 do efetivo em Angola e propus a ele ficar com 1/5 da verba.

Ele aceitou e altamente excitado e ansioso perguntou qual era montante. 

Disse, então, 8 milhões.  

Ele ficou exaltado e então complementei,  de dólares e, assim, cabe a você 1,6 milhões.

Não vi, mas ele devia estar pulando de alegria e repetia sem parar :_ Puxa, um milhão e seiscentos mil dólares!

Esperei ele se acalmar e propus que ele remetesse, em resposta a seu Comando, que ele tinha avaliado este valor.

Eu, por meu lado, enviaria ao meu Comando, que minha avaliação tinha sido de seis milhões e quatrocentos mil dólares.

O raio do Intendente de Brasília, que também estaria com uma banana na mão, recebeu as nossas respostas e deve ter ficado muito contente.

A soma dava justamente a verba que ele recebera.

A Viagem de Retorno  ao  Brasil.

O Material proveniente de Angola veio para o Brasil em dois escalões.

O primeiro trouxe o material proveniente da Companhia de Engenharia (BRAENGR).

O segundo chegou com o material do Batalhão de Infantaria (BRABAT) e do Destacamento Avançado de Saúde (ADS).

Como o preço cobrado pela Marinha de Guerra Brasileira seria muito mais caro, devido vir a se constituir numa operação envolvendo várias belonaves, a ONU optou por fretar navios civis.

O material do navio fretado foi um de bandeira grega em péssimas condições.

Isto, levou o material a ser bastante danificado.

A situação do porto com guindastes sucateados, e os portuários com má vontade e trabalhando mal, pioraram ainda mais os danos no material.

A falta de equipamentos apropriados para o desembarque das viaturas causou danos em quase todas.

O material do BRABAT foi muito mal manutenido em Angola.

No retorno, porém, teve a sorte de vir num navio novo todo informatizado de bandeira ucraniana.

Este pessoal, altamente capacitado e treinado, utilizou os guindastes controlados por computadores do próprio navio para o desembarque.

Com material apropriado para o translado, o material sofreu poucas avarias.

Pelo fato das viaturas e equipamentos em geral não possuírem pontos de içamento,  meios de fortuna são utilizados para o embarque e desembarque.

Isto danifica muito o material.

Neste contexto deve-se ressaltar, também que, a falta de pontos rígidos para amarração fez com que algumas viaturas se chocassem uma com as outras, amassando-as e danificando-as.

Ao amarrarem as Toyotas por seus para-choques, estes foram todos retorcidos.

Outro fator crítico para o estado de dano, que o material sofreu, foi a deficiência e falta de tarimba na embalagem e empacotamento.

Em resumo, não sabemos embalar material para levá-lo ou retirá-lo de um TO d’além mar.

O Parque, constatando este problema, ao receber material oriundo da Bélgica que acompanhavam os CC Leopard 1 A 1, verificou que o material utilizava embalagens padronizadas pela OTAN.

São caixas e caixotes construídos de modo resistente e reforçado, fáceis de serem manipulados, dotados de alças, fáceis de abrir e fechar. 

Em dimensões padronizadas, permitem que para cada viatura, avião, contêiner etc deles se saiba  à priori quantos módulos de cada tipo ou quais as combinações possíveis são passíveis de serem transportados.

O Parque crê que o BRAENGR foi ao longo de dois anos muito mais cuidadoso e teve o material muito mais manutenido, porém talvez isto mereça um estudo da viabilidade da solução a ser adotada pelo EB.

Alertado pelo médico, que estava a 15 dias servindo na OM, o Parque repassou suas preocupações para o Escalão Superior.

De imediato, em mais 15 dias, preparou-se seguindo orientações do IBEx, uma operação para que logo que o material do BRAENGR chegasse, este fosse descontaminado.

A possibilidade de que no material proveniente da África viessem vetores ou micro organismos, que poderiam proliferar no Brasil, era real. 

Com meios de fortuna, rapidamente, preparou-se uma área no Parque, na qual a descontaminação pudesse ser feita.

Não seria possível com o navio ao largo, dada a legislação brasileira e controle aduaneiro não estarem preparados.

No porto, com problemas de sindicatos e possíveis repercussões negativas, também, não seria possível.

Daí, os comboios tão logo eram formados, partiam para o Parque com todas as pistas da Av. Brasil interditadas e ao chegar, eram totalmente descontaminados.

Mais tarde todos motoristas foram monitorados e as carretas de transporte foram descontaminadas.

Na chegada do BRABAT, o mesmo tipo de procedimento foi utilizado.

Desta vez, com mais tempo, o IBEx (à frente o Ten Cel Farmacêutico Edino Camoleze) se organizou, como só se poderia esperar de uma OM daquela importância, de modo profissional.

Com equipamentos e trajes adquiridos, com soluções e pessoal instruído, foi utilizado o que havia de mais performante.

Todo material foi descontaminado e ficou em quarentena, inclusive, o dos Fuzileiros Navais que foi todo para o Parque.

Chegou-se, até mesmo, a utilizar um método de floculação que para certos tipos de vetores alcançava 3 Km de raio.

Fez-se doutrina.

Adquiriu-se muita experiência.

Proporcionou-se encontros médicos.

Alertou-se para a necessidade de legislação específica para o Brasil.

Tudo foi filmado e registrado para uso futuro pelo IBEx.

Houve uma interação muito forte com o Corpo de Fuzileiros Navais.

Este, juntamente com o pessoal do EB, como numa força única, participou de todos eventos.

Aprendeu como no caso da descontaminação e organização de uma grande operação, participou de modo uno e ensinou.

Por mais de um mês, ajudou na guarda do Parque com um efetivo de 18 Sd Fz Nav, 3 Cb Fz Nav, 2 Sgt Fz Nav,  radioperadores, e viaturas que sob o comando do Oficial de dia do Parque proporcionava, em reforço, segurança às 4.000 toneladas de material que chegara.

Só se retirou, quando chegou reforço de outras unidades do EB.

Ao compararmos a indisponibilidade do material da Marinha com o do Exército, verificou-se que nos Fuzileiros Navais era de 4 % e no EB 40%.

Mostrou-se desta forma a diferença em ser operacional e ter operacionalidade.

O operacional só cumpre a missão uma vez.

Ter operacionalidade possibilita retornar com o material e estar pronto para outra missão.

O Parque tivera, antes, oportunidade de ajudar no desembaraço do corpo do Cb Fz Nav morto em ação em Angola, bem como em seu enterro, comparecer com expressivo efetivo em sua última homenagem.

Cabe aqui ressaltar que comparando com soldados americanos que morrem em combate, nós não estamos ainda preparados para recebe-los e prestar-lhes uma homenagem de herói que volta para sua Pátria.

Em Angola, os Fz Nav soldaram nos cantos dos containers um cubo de aço debaixo dos cubos das cantoneiras dos contêineres que servem para fazer os “Lock”s, com a finalidade de servir de pés.

Embora tivessem exatamente a mesma forma e furações para servirem de travamento em pranchas, os mesmos retiraram os contêineres de seu dimensionamento normal, dificultando, até mesmo impossibilitando, a frenagem nos navios quando empilhados.

O EB utilizou cotocos de madeira amovíveis.

Nos contêineres banheiros do EB não haviam “Lock”s, motivo pelo qual eles se destruíram quando empilhados nos navios.

O Parque  a partir de um contêiner geral, projetou e construiu um contêiner banheiro padrão resistente que poderá servir de modelo para outras missões.

Ficou capacitada a firma MAG MEC no Rio.

A solução de utilização de contêineres para transporte, que no TO passam a servir de alojamentos, oficinas, PCs, escritório, capela, gabinete odontológico, sala de cirurgia, paióis, enfermarias, farmácia etc, deu resultado e foi muito boa.

A experiência mostrou, que aproveitando os “lock”s, pode-se construir uma armação.

Esta, então,  pode sustentar um telhado de zinco, de madeira ou de lona 20 cm acima.

Com isto, é  possível diminuir a temperatura no interior do contêiner.

O EB levou muito tempo para, junto à ONU, aprender a preencher os formulários corretos para descarregar e ser indenizado com materiais que se tornaram inservíveis.

A procura de obedecer as NARMMOTO, NARMENG etc, que não estão adaptadas para esta situação, não recorrendo aos mecanismos e procedimentos da ONU, possivelmente causou um prejuízo ao Brasil.

Não esquecer que, entre outras coisas, diversos pneus carecas e rasgados e medicamentos vencidos, foram trazidos de volta. É necessário criar mecanismos e normas especiais de gerenciamento do material.

O BRAENGR tinha sua carga toda organizada e em dia, o que muito facilitou o recebimento e controle posterior.

Usava os meios de informática com desenvoltura.

Já o BRABAT não estava na mesma situação.

Em seus micros foi verificado que não utilizavam os softwares disponíveis à altura, principalmente no que concernia a bancos de dados.

A variação da energia de geradores provocava a queima dos estabilizadores de tensão dos microcomputadores.

O material de informática passando a ser ligado diretamente queimava.

Se faz mister o projeto de uma fonte especial, fácil de ser projetada, para a partir diretamente de baterias (atuando como efeito zener) mantidas em carga pelos geradores, fornecerem diretamente as 4 tensões necessárias aos microcomputadores.

Os geradores estavam com os tanques muito sujos, o que os levaram a panes.

Porém, não era devido à qualidade do diesel, pois este ao ser analisado no laboratório de combustíveis do Parque 1, mostrou-se de qualidade melhor que o diesel brasileiro.

Os geradores trifásicos, em Angola, não estavam equilibrados com a carga por fase distribuída igualmente (daí a oscilação da energia).

Em Kuito, os dois geradores de 330 KVA funcionavam alternando-se em regime de 12 horas.

Para efeito de ter um desgaste mais equânimes deveriam funcionar com regime de 8 horas.
 
Continua na 2ª parte
(*)

General-de-Brigada engenheiro militar veterano, AMAN Mat Bel 67, Pqdt Militar, Mestre Salto, Guerra na Selva, Graduado (Eng Eletrônica) e Pós-graduado MSc (Nuclear) pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e pela École Nationale Supérieure de l’Aéronautique et l’Espace (França) , diplomado pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx).