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Lembrança 35

Eu Fui Juiz
Por Iberê Mariano da Silva (*) .

Por três vezes fui sorteado para integrar um Conselho Permanente de Justiça. Com minha sorte, eu elucubro o porquê  eu nunca ganhei numa Mega Sena. Kkk .

Na AMAN tivemos cadeiras de Direito por alguns semestres. Foram cadeiras de Direito Civil Militar, Direito Internacional e Direito da Família. (em parte apoiadas em fatos de mais de meio século atrás).  Nestas cadeiras aprendemos o que é certo, as leis e o principal que é a importância de sermos sempre justos.

Nas Faculdades civis de Direito, por vezes, como em todas as profissões, formam-se pessoas com caráter duvidoso. São os advogados ditos de “porta de cadeia” e os advogados que quando recebem uma causa lhe perguntam se é para defender ou atacar. Para estes tanto faz, inexiste moral, o importante é o dinheiro. São os hipócritas.

É o mesmo que acontece com grande parte dos formados em Jornalismo. Em vez de narrar simplesmente os fatos, se metem a querer forçar-nos a seguir sua opinião,  na maior parte, sem embasamento. Principalmente quando se trata de um fato técnico. Para justificar as besteiras que escreve, diz que foi “um jornalismo investigativo”. Falta-lhes moral e ética.  Temos, atualmente, empresas de comunicação especializadas em deturpação de fatos, criação de narrativas acusatórias. Estas, quando pegas nas mentiras, jogam a culpa em pseudas fontes que não podem revelar.

Mas julgar uma pessoa, principalmente quando se é justo, é de uma imensa responsabilidade. Tem-se que levar em conta todas circunstâncias que a pessoa passou que a conduziram a praticar aquele determinado ato.  Quando tem mais de uma pessoa em posições antagônicas, tem-se que levar em conta que existem 3 verdades _“a verdade de uma parte, a verdade da outra parte e a verdade verdadeira que estará possivelmente entre as duas”.

Um Conselho Permanente de Justiça é composto por 5 juízes (sendo 4 militares e um civil que é o juiz togado). Dos 4 militares, 3 são membros subalternos e o quarto é o presidente de todos do conselho. . Eu participei em dois conselhos como subalterno e em um como presidente.

O julgamento, em si, se processa em duas fases. Na primeira os juízes votam se o réu é inocente ou culpado. O juiz togado é o primeiro a votar e dá o embasamento jurídico. Os 3 membros militares subalternos votam fazendo sua preleção ou não.  O presidente dá o voto de Minerva caso haja empate.  A segunda fase, caso culpado, vota-se a pena dentro dos limites a qual é definido pelo juiz togado seguindo as leis. Os demais votam a pena e o presidente profere a sentença final fazendo uma média aritméticas  das penas sugeridas.

Existe sempre a figura do advogado promotor público e do advogado de defesa, cada um puxando a “brasa para sua sardinha”  procurando influenciar a decisão. Mas, a verdade é que, se você leu todos autos, já tem uma pré-opinião formada e a modifica pouco.

Alguns juízes togados solicitam que os demais membros façam as perguntas a eles do que desejam saber do réu. Eles deste modo, redirecionam a pergunta ao réu utilizando os arcabouços legais. Outros não.

Os julgamentos num Conselho de Justiça Militar são muito mais justos, pois os quatros juízes militares entendem muito mais os réus. Explico. O fato de vivenciarem as mesmas situações, os mesmos acontecimentos, a mesma formação,  em suma, o mesmo dia a dia, faz com que o juiz compreenda muito mais o réu quando este comete um desvio de conduta e o delito em si.

Num dos julgamentos que participei como presidente, um soldado estava como réu por ser desertor. Abrindo um parêntese. Um militar é considerado desertor no oitavo dia de seu não comparecimento ao quartel. Bem, este soldado em pauta, se apresentou pouco antes da meia noite do fim do prazo. O oficial de dia, só colocou sua apresentação  no livro de partes ao final de seu serviço no dia seguinte.  No julgamento todos o absolvemos.

Em outro julgamento de deserção, um soldado de um tiro de guerra, que morava na roça e estava com a mãe doente, fora preso após o décimo dia. Ele não tinha sequer seis dias de instrução. O juiz togado o condenou e os quatro militares o absolveram. Logo em seguida, outro militar paraquedista estava sendo julgado por deserção, preso que fora, ao fim do prazo. O juiz togado o absolveu e os quatro militares o condenaram.

Ao final da sessão, o juiz togado pediu para falar comigo em particular. Ele me disse que não entendera nada. Pediu-me que explicasse o porquê do julgar tão díspares.  Sentamos e comecei a lhe informar um pouco mais sobre o Exército.

Mostrei-lhe que o Exército possuía sete tipos diferentes de soldados. A)                
O primeiro tipo que é um soldado de um tiro de guerra com sua incipiente instrução, B)                 O segundo tipo de soldado que tem três meses de instrução e vai servir num quartel general como estafeta e auxiliar de serviços gerais, ou ainda no pelotão de obras e cozinheiro numa OM normal, C) O terceiro tipo de soldado que é um especialista técnico que serve em unidades de manutenção, depósitos por exemplo, D) O quarto tipo que é o soldado de um quartel normal. Esta é a maioria das OMs, E) O quinto tipo é de um soldado servindo num quartel de pronto emprego que tem uma instrução mais aprimorada, F) O sexto tipo é o soldado com instrução especializada como paraquedista, guerra na selva, montanha, etc com um valor combativo muito mais refinado, G)  O sétimo tipo é um soldado de uma unidade de Forças Especiais que tem sangue nos olhos, faca na boca e está 24×7 horas pronto para ir a qualquer lugar e em qualquer condição para destruir um inimigo.  

Mostrei, então, para o juiz que um militar, na ordem crescente  apresentada, possui diferentes possíveis  ameaças para a sociedade quando perde o rumo, a ética, esquece os ensinamentos do que é o bem e resolve praticar um delito. A punição, dado seus conhecimentos e poder combativo tem que ser diferente e proporcional ao seu potencial perigo.

Ele agradeceu muitíssimo pelos ensinamentos, que iria os levar em consideração e os iria repassar aos demais juízes togados da Auditoria.

Sim, a justiça é igual para todos, mas a punição deve ser ponderada levando em conta o poder de cada ser. Não deve ser igual, por exemplo, a de um juiz transloucado do Supremo  e de um padeiro da padaria da esquina.

Aprendi muito, para minha vida, sendo juiz, por três vezes, do Conselho Permanente da Justiça Militar.

(*) General-de-brigada engenheiro militar veterano, AMAN Mat Bel 67, Pqdt Militar, Mestre Salto, Guerra na Selva, Graduado (Eng Eletrônica) e Pós-graduado MSc (Nuclear) pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e pela École Nationale Supérieure de l’Aéronautique et l’Espace (França), diplomado pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx).