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Lembrança 36

Essequibo

Essequibo
Iberê Mariano da Silva (*)  Escrevo esta  reminiscências no dia 4 de Dezembro de 2023 acerca de fatos ocorridos na década de 60 e de pouquíssimo conhecimento de brasileiros e de registros.

Todos sabem, atualmente, das pretensões da Venezuela de tomar à força 5/8 da sua vizinha Guiana (antiga Guiana Inglesa) que teve sua independência em 1966. Este fato recrudesceu, agora, mormente pela descoberta de imensa quantidade de petróleo e minerais no solo e mar da Guiana. O olho grande do ditador da Venezuela se fez presente e se prepara para invadir a Guiana que tem um fraquíssimo exército.

A Venezuela e Guiana são separadas pela cadeia de montanhas Roraima praticamente intransponível por um exército.  Para que a invasão se torne possível, tem-se que contornar o obstáculo mencionado, o que se daria atravessando território brasileiro. Esta área do Estado brasileiro Roraima é plana e cheia de fazendas com gado e plantações.

Para ter melhor noção da natureza do terreno, eu explico: Se você pegar um gaúcho e o colocar lá, ele vai ter a nítida impressão que está nos Pampas do Rio Grande do Sul. A floresta amazônica  não existe. Aliás, um ministro, como sempre desinformados, certa vez, fez um escândalo denunciando que haviam desmatado completamente aquela região.

Pobre coitado! Vamos aos fatos de minhas reminiscências. Como 1º tenente, após ter terminado o curso de Mestre de Salto na Brigada Paraquedista, fui convidado a servir na 12ª Cia Mat Bel  em Manaus. Era 1970. Na unidade em formação, existiam apenas 2 oficiais.

O comandante Maj Haroldo Azevedo da Rosa e eu. Outras unidades em formação, tinha como berço a 12ª Cia Mat Bel.  Fui colocado pelo Maj Haroldo como chefe das mesmas. Eram elas, entre outras, o núcleo do DRCL 12 (Depósito Regional de Combustível e Lubrificantes) , o núcleo do DRAM 12 (Depósito Regional de Armamento e Munições)  etc. Cabe notar que eu era o único oficial de Material Bélico na 12ª Região Militar do CMA (Comando Militar da Amazônia o qual estava em formação).

No Nú DRAM 12 eu tinha duas vezes a reserva de guerra em munições. Portanto um excesso razoável. No entrevero entre Guiana e Venezuela,  enquanto não havia a solução dada pelo Acordo de Genebra que começara em 1966 e terminaria em 1970, exércitos de ambos países começaram a atravessar o território brasileiro para um atacar o outro. Nesta travessia, devastavam as plantações,  matavam o gado, estupravam as mulheres,  enfim um verdadeiro caos. Na época tínhamos homens de verdade no comando da nação. O Gen Geisel era o ministro do Exército e o Gen Médici era o presidente. O Exército Brasileiro e a FAB, em consequência, foram acionados.

Foram destacados para a área uma Cia do 1º  BIS, o 2º BIS, um pelotão do CIGS, um batalhão  da Brigada Pqdt. (Se me enganei do montante da tropa, me desculpem pelo meu Alzheimer e ausência de documentação.) Da FAB, destacava-se os aviões de transporte Búfalos C115 e os ultrapassados caças  AT 33. Esta tropa colocou fim na briga dos contendores. Eu, em 1970, fornecia munição para a tropa, como Nú DRAM 12. Cabe destacar, aqui, algo que jamais constará de quaisquer documento ou menção. O fato foi me relatado por um Capitão Pqdt por ocasião de nosso encontro sobre fornecimento de munição. (Deixo de identificar o militar propositadamente por motivos óbvios).

Antes da assinatura  em 18 de junho de 1970 do protocolo de Porto Espanha que congelava a situação, as invasões dos exércitos estrangeiros deixaram de acontecer. O motivo de tal fato, me foi relatado pelo mencionado capitão. Ele comandava uma Cia Pqdt e emboscou uma Cia Venezuelana que incontinenti, devido sua baixa formação militar, se rendeu como um todo. Após desarmá-los, deixou-os só de cuecas e coturnos sem cadarço. Colocou-os em forma com oficiais à frente.  Colocou 4 paraquedistas 4×4 (grande compleição física) sentados em um tronco e mandava de quatro em quatro venezuelanos em direção aos Pqdt que os deitava no colo e davam-lhes palmadas. Oficiais primeiro, diante da tropa deles, os humilhava.

Depois das palmadas eram libertos, individualmente para voltarem a seu país. E assim, nunca mais houve uma invasão. É claro, que isto não pode constar em nenhum documento militar. Pouquíssimas pessoas vivas têm conhecimento. Uma nota sobre o 2º BIS. Eu fornecia a munição para eles. Para mim o 2º BIS era a tropa mais bem formada e aguerrida que o Brasil possuía. Seu efetivo permanente era constituído, apenas, de paraquedistas, forças especiais e  guerreiros de selva. Os recrutas se apresentavam  e uma semana depois iam para selva.

Voltavam da selva uma semana antes da baixa. Iam bebês e voltavam homens feitos com compleição física e tremendos soldados treinados. Era uma tropa formidável.  Eu tinha um verdadeiro carinho e admiração pela unidade.

(*) General-de-brigada engenheiro militar veterano, AMAN Mat Bel 67, Pqdt Militar, Mestre Salto, Guerra na Selva, Graduado (Eng Eletrônica) e Pós-graduado MSc (Nuclear) pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e pela École Nationale Supérieure de l’Aéronautique et l’Espace (França), diplomado pelo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx).